quinta-feira, 5 de novembro de 2015

MI GENERAL - Conto de Sergio Medeiros Rodrigues (Porto Alegre, RS)

MI GENERAL (à Cândida Rodrigues)

Suados, cansados, enfim chegamos.

Era um prédio antigo, bem mais de dois séculos, mas ainda imponente e bem conservado.

Bem destacado à frente, em bronze antigo, se destacava uma placa, anunciando em tom solene “ Memorial ao General dos Pampas Oscar Rodrigues”.

Meio atabalhoados e ansiosos, nós, eu e minha tia, junto com os demais idosos turistas saímos do pequeno ônibus, sedentos por água fresca e ar puro, e  nos atiramos no primeiro bar que vimos.

Mas, nem bem começávamos a nos refazer das mais de duas horas de viagem, sob um calor seco,  que o velho ar condicionado da relíquia chamada ônibus, não conseguia vencer, e, sem dó nem piedade, porque o tempo era curto e  havia outra excursão que sairia para Porto Alegre à noite,  já nos colocaram em marcha em direção a grande  aventura do dia.

Em fila indiana, entramos no prédio.

E assim, neste ritmo, prosseguia a excursão.

Era um dia quente de primavera,
em que o vento que entrava janela adentro,  mal e mal refrescava os visitantes e, pior, com a pouca umidade, de pronto os deixava extenuados.

Mas, alheia a tudo, e com uma disposição incomum perante a adversidade, à frente de todos, seguia minha tia, puxando o cordão.
Minha tia, que nunca foi econômica com as palavras, não demonstrava que neste momento passaria a sê-lo, e sem o mínimo desconforto com a alta temperatura, não  cansava de se admirar com a obra do General.

A cada fala do guia, que com a voz empostada fazia a apresentação dos objetos que formavam o acervo do museu, logo após, incontinente, se fazia ouvir por todos uma voz poderosa e incisiva.
De fato, mal pontuava o alegre apresentador:

- Está é a espada que o General Rodrigues usou em sua campanha pela libertação da pampa.

E, minha tia, deveras  impressionada com a referida arma,  que tinha olhado com extremo interesse, apesar de sua aparência meio enferrujada e com o cabo gasto e sem brilho -, sem peias, comentava:

- Mas que “espadaço”  tinha mi General (com o profundo som do “erre” castelhano ponteando a consoante inicial da patente).
Nada a abalava, nem mesmo quando o prestimoso funcionário mostrou uma antiga e gasta bota, tamanho 45.

Nem ai ela se deteve, após uma brevíssima pausa, num respirar fundo que cortou o silêncio da comitiva, saiu, invariável, a exclamação.

- Mas que botaço tinha mi General!

E assim íamos, entre odes aos pertences e feitos de...mi General, e prosseguíamos nesta procissão sem santo,  até que, finalmente, chegamos ao ápice da visita.

Neste ponto, o Chefe do Cerimonial, se acercando do grupo, de forma solene, anunciou:

- Estas são as cinzas do Generalíssimo Rodrigues.

Desta feita, minha tia se acercou com cuidado e quase com reverência, olhou a pequena urna de ferro cheia até quase a borda e, ainda desta vez, não se conteve, do fundo dos pulmões, asseverou com profunda devoção.

- Como pitava, mi General.

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