MARES PARALELOS
Uma fina linha
d’água escorrega pelo piso em direção ao solado da porta que se abre para o
corredor. Ao chegar perto, faz um leve desvio pela inclinação do assoalho e
para por alguns segundos – o suficiente para tornar-se mais grossa e densa. Acumulada,
impulsiona-se e rola mais para frente. Escorrega, ladeando o rodapé rumo à
escada.
Basta olhar bem,
para vê-la escapar lentamente degrau por degrau, uma de cada vez até o solo no
mesmo ritmo cadenciado. Plaf, fazem. Plaf, plaf, plaf e se aplastam uma atrás
da outra. Redondas, brilhantes, inocentes. Algumas gotas menores ficam
penduradas na virada do degrau, equilibrando-se até que zupt, empurradas por
outras e mais outras, as gotinhas vão,vão,vão... vão escada abaixo.
A fina linha d’água esforça-se para chegar à
porta da frente e sair. Por fim, escapa e desliza na lateral da calçada contra
as paredes externas das casas que formam a rua. Corre pelas reentrâncias dos
ladrilhos em linha reta. Com atenção poderá ser visto o ziguezaguear confuso
nos canaletes só para desviar da língua do cachorro que quer bebê-la, da cama
de papelão do mendigo que tenta absorvê-la, da poeira acumulada nos cantinhos
das inúmeras encruzilhadas que formam o pavimento da calçada. Pelo caminho,
ainda encontra passos apressados e desatentos, o que dificulta segui-la num
trânsito complicado.
Um desavisado,
dos pequenos detalhes da vida na calçada, sobe da sarjeta e invade a pequena
correnteza. Dissipa, dissolve, esparrama, divide, esfacelando-a em mil pequenas
gotículas. Mas, num último e derradeiro esforço, aproveitando a ladeirinha que
inclina a beira da calçada, reúnem-se outra vez em linha na busca do próprio
destino – o bueiro no final da rua. Dali, o rio e finalmente o mar.
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