segunda-feira, 9 de novembro de 2015

MARES PARALELOS - Crônica de Gilka Coimbra (Uruguaiana, RS)

MARES PARALELOS        
                                                                                    
Uma fina linha d’água escorrega pelo piso em direção ao solado da porta que se abre para o corredor. Ao chegar perto, faz um leve desvio pela inclinação do assoalho e para por alguns segundos – o suficiente para tornar-se mais grossa e densa. Acumulada, impulsiona-se e rola mais para frente. Escorrega, ladeando o rodapé rumo à escada.

Basta olhar bem, para vê-la escapar lentamente degrau por degrau, uma de cada vez até o solo no mesmo ritmo cadenciado. Plaf, fazem. Plaf, plaf, plaf e se aplastam uma atrás da outra. Redondas, brilhantes, inocentes. Algumas gotas menores ficam penduradas na virada do degrau, equilibrando-se até que zupt, empurradas por outras e mais outras, as gotinhas vão,vão,vão... vão escada abaixo.

  A fina linha d’água esforça-se para chegar à porta da frente e sair. Por fim, escapa e desliza na lateral da calçada contra as paredes externas das casas que formam a rua. Corre pelas reentrâncias dos ladrilhos em linha reta. Com atenção poderá ser visto o ziguezaguear confuso nos canaletes só para desviar da língua do cachorro que quer bebê-la, da cama de papelão do mendigo que tenta absorvê-la, da poeira acumulada nos cantinhos das inúmeras encruzilhadas que formam o pavimento da calçada. Pelo caminho, ainda encontra passos apressados e desatentos, o que dificulta segui-la num trânsito complicado.


Um desavisado, dos pequenos detalhes da vida na calçada, sobe da sarjeta e invade a pequena correnteza. Dissipa, dissolve, esparrama, divide, esfacelando-a em mil pequenas gotículas. Mas, num último e derradeiro esforço, aproveitando a ladeirinha que inclina a beira da calçada, reúnem-se outra vez em linha na busca do próprio destino – o bueiro no final da rua. Dali, o rio e finalmente o mar. 

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