O SONHO
Dormia apenas
por dormir, assim como na natureza. Sonhava com inúmeras coisas ao mesmo tempo.
Me era um sono prazeroso, tanto quanto o é comer por conta do paladar sem que a
fome sequer esteja acerca, ou beber água de sanga para simplesmente sentir-se
mais próximo do ventre terreno. Revirava-me sozinho na cama de casal sem ter
noção das horas.
Os sonhos são,
sem dúvida, muito mais do que se imagina. Sonhamos com amigos que há muito não
vemos, e no dia seguinte lá estão eles, telefonando, ou passando por nossas
vidas. Se não me engana a memória, sonhava com uma paisagem pitoresca,
pastoril, com suaves manifestações psicodélicas que deixavam-na surreal, como
todo o sonho tem a obrigação de ser. Rostos conhecidos, rostos esquecidos,
mudanças rigorosas de cenário e de percepção de tempo e espaço. Nada de
aflições pesadelares ou desprazeres inúteis. Apenas o momento acariciando a
mente.
Entretanto, uma
voz sutil esbarrou em meus ouvidos de maneira tão suave que me despertou a
consciência sem que meus músculos acordassem. Repetiu, sussurrando, duas vezes
meu nome. Era como se fosse o vento relatando a leveza de meu sono à solidão a
qual o acompanha fielmente. Situação esta a qual me levou a recordar de outra
passada, há bastante tempo, em que também acordei antes de meu corpo físico.
Entre lembranças e devaneios percebi que podia enxergar mesmo que estivesse impossibilitado
de erguer as pálpebras, o que é bem delicado de se tentar explicar, portanto,
não irei me aprofundar. Eu via meu
quarto da mesma maneira a qual havia visto
antes de adormecer, um pouco mais claro, mas, era a mesma cama, os lençóis
preto e branco, o edredom, só não conseguia saber do que estava em meu ponto
cego, afinal não conseguia me movimentar, virar a cabeça e olhar para trás. Por
algum motivo resolvi procurar a nascente da suave voz que me acordara, foi
quando vi uma silhueta feminina movimentando-se na penumbra, do canto mais
escuro do aposento aproximando-se da cama. Com gestos cuidadosos sentou e, em
seguida, deitou-se ao meu lado. Era linda, não lembro do seu rosto, mas, lembro
deste fato.
– Não queria te
acordar, desculpa. – ela me disse com boca trêmula, ensaiando um sorriso, e
olhos brilhantes.
– Não acordei,
tampouco gostaria agora.
Ela segurou a
minha mão imóvel, suada, senti como se um milhão de estrelas envolvessem-na
naquele momento. Era místico. Mágico por inesperado.
– Eu voltei,
viu? Rondo teus sonhos, mas, não me encontrarás sempre, e não podes mais ficar
assim, deves acordar. – disse-me como quem diz verdades ásperas, geladas
preferindo que fossem mentiras.
– Se eu acordar,
sei que não te vejo mais. Não posso, não quero… – respondi sem mover os lábios,
mas, com imenso esforço inútil para erguer a mão e acariciar seu rosto, secar
suas lágrimas, cuida-la.
Ela me olhou nos
olhos com uma visível sinceridade a qual eu nunca havia presenciado. Suas
retinas transbordavam, era a minha alma escorrendo dali em pingos, era uma dor,
uma angústia, duas almas. De repente consegui mover, enfim, minha mão, assim,
me acordando subitamente na mesma posição, com o braço erguido, parado no ar.
Deixei, desanimado, que ele caísse pela força da gravidade, inconformado. Assim
que minha mão tocou o colchão o percebi molhado exatamente na altura dos olhos
e senti, então, um profundo sintoma de saudade.
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