domingo, 1 de novembro de 2015

O SONHO - Conto de Cícero Silveira Christino (Alegrete, RS)

O SONHO

Dormia apenas por dormir, assim como na natureza. Sonhava com inúmeras coisas ao mesmo tempo. Me era um sono prazeroso, tanto quanto o é comer por conta do paladar sem que a fome sequer esteja acerca, ou beber água de sanga para simplesmente sentir-se mais próximo do ventre terreno. Revirava-me sozinho na cama de casal sem ter noção das horas.

Os sonhos são, sem dúvida, muito mais do que se imagina. Sonhamos com amigos que há muito não vemos, e no dia seguinte lá estão eles, telefonando, ou passando por nossas vidas. Se não me engana a memória, sonhava com uma paisagem pitoresca, pastoril, com suaves manifestações psicodélicas que deixavam-na surreal, como todo o sonho tem a obrigação de ser. Rostos conhecidos, rostos esquecidos, mudanças rigorosas de cenário e de percepção de tempo e espaço. Nada de aflições pesadelares ou desprazeres inúteis. Apenas o momento acariciando a mente.

Entretanto, uma voz sutil esbarrou em meus ouvidos de maneira tão suave que me despertou a consciência sem que meus músculos acordassem. Repetiu, sussurrando, duas vezes meu nome. Era como se fosse o vento relatando a leveza de meu sono à solidão a qual o acompanha fielmente. Situação esta a qual me levou a recordar de outra passada, há bastante tempo, em que também acordei antes de meu corpo físico. Entre lembranças e devaneios percebi que podia enxergar mesmo que estivesse impossibilitado de erguer as pálpebras, o que é bem delicado de se tentar explicar, portanto, não irei me aprofundar. Eu via meu
quarto da mesma maneira a qual havia visto antes de adormecer, um pouco mais claro, mas, era a mesma cama, os lençóis preto e branco, o edredom, só não conseguia saber do que estava em meu ponto cego, afinal não conseguia me movimentar, virar a cabeça e olhar para trás. Por algum motivo resolvi procurar a nascente da suave voz que me acordara, foi quando vi uma silhueta feminina movimentando-se na penumbra, do canto mais escuro do aposento aproximando-se da cama. Com gestos cuidadosos sentou e, em seguida, deitou-se ao meu lado. Era linda, não lembro do seu rosto, mas, lembro deste fato.

– Não queria te acordar, desculpa. – ela me disse com boca trêmula, ensaiando um sorriso, e olhos brilhantes.

– Não acordei, tampouco gostaria agora.

Ela segurou a minha mão imóvel, suada, senti como se um milhão de estrelas envolvessem-na naquele momento. Era místico. Mágico por inesperado.

– Eu voltei, viu? Rondo teus sonhos, mas, não me encontrarás sempre, e não podes mais ficar assim, deves acordar. – disse-me como quem diz verdades ásperas, geladas preferindo que fossem mentiras.

– Se eu acordar, sei que não te vejo mais. Não posso, não quero… – respondi sem mover os lábios, mas, com imenso esforço inútil para erguer a mão e acariciar seu rosto, secar suas lágrimas, cuida-la.


Ela me olhou nos olhos com uma visível sinceridade a qual eu nunca havia presenciado. Suas retinas transbordavam, era a minha alma escorrendo dali em pingos, era uma dor, uma angústia, duas almas. De repente consegui mover, enfim, minha mão, assim, me acordando subitamente na mesma posição, com o braço erguido, parado no ar. Deixei, desanimado, que ele caísse pela força da gravidade, inconformado. Assim que minha mão tocou o colchão o percebi molhado exatamente na altura dos olhos e senti, então, um profundo sintoma de saudade.

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