segunda-feira, 16 de novembro de 2015

MAMÃE, MINHA BOA CONSELHEIRA - Conto de Vera Ione Molina Silva (Uruguaiana, RS)

MAMÃE, MINHA BOA CONSELHEIRA

Porto Alegre, 12 de junho de 2.020

Amado filho Cristiano:

Mamãe ficou muito triste com tua última mensagem, por isso te escreve ao invés de simplesmente pegar o telefone.
Contas que aos trinta e oito anos cansaste de procurar um amor que te complete, as mulheres não querem compromisso, usam e abusam dos teus sentimentos. Sinto imensamente que assim seja, querido filho, mas devo dizer-te que os homens, através dos séculos, cavaram suas próprias sepulturas. Hás de perguntar-me por quê. Qual a tua culpa em relação ao comportamento das mulheres?
Tu, talvez não a tenhas, mas deixa a mamãe contar o que passou durante a tua infância e juventude. Talvez a história de vida da mamãe, que não é diferente da história de suas amigas, te ajude a meditar sobre esse tema tão difícil que é o das relações amorosas.
Chegou um tempo em que tua mãe cansou de recomeçar infinitas vezes novas histórias de amor com príncipes encantados e passou a escolher pessoas que aparentemente não oferecessem perigo.
Tua mãe era jovem e bela quando conheceu Amaury. Ele era um militante político. Fisicamente ele lembrava uma figura de revista argentina que divertia mamãe na infância: Doña Tremebunda. O homem era de uma gordura descomunal e caminhava balançando a parte traseira como a personagem da charge. Pois não é, meu filho, que ele se considerava o centro dos interesses femininos e relegava esta que te escreve a um plano secundário, dedicando-lhe escassa atenção?
Quando o político deixou mamãe, ela sofreu muito, tendo que procurar auxílio de um psiquiatra para se refazer emocionalmente.
Refeita, tua mãe conheceu um homúnculo de cabelos grisalhos e semi-longos. Mamãe saía com ele fazendo a maior ginástica para não ser vista por conhecidos
nos bares, restaurantes, cinemas. Sabes de que ele acusava mamãe? De ser possuidora de um forte sentimento de insegurança e ciúmes doentios. Além disso, quando bebia, ele não dizia duas frases sem perguntar: estás acompanhando o meu raciocínio? Como se mamãe fosse demasiado lenta ou algo assim. Ele afirmava que mamãe fugia ao contato das mulheres por medo de perdê-lo.
Mamãe conheceu um homem vinte anos mais velho. Ele gostava muito de se comunicar, até nos elevadores puxava conversa. As pessoas afastavam o rosto de perto dele quando ele falava. Sabes o que ele disse certa manhã para tua mãe? Tu tens um bom hálito. Foi o único elogio em seis meses de convívio.

Num verão dos anos noventa, mamãe estava sentada num bar ao ar livre com duas amigas e aproximou-se um homem visivelmente interessado. Meia hora mais tarde, ele recitava Fernando Pessoa, falava inglês fluente e jogava todo o charme do mundo. Mamãe não gostou dos olhos dele: arregalados e sem brilho. Mas o que era um olhar alucinado perto de uma bunda gelatinosa, de um homúnculo pernóstico e de um hálito que causava constrangimento nos elevadores? Mamãe ficou algum tempo com ele. Ele pediu para contar um segredo: em certos períodos do ano, ele sentia-se profundamente identificado com sua mãe já morta. Ela havia sido uma atriz de teatro bonita e insinuante, abandonara a família por um ator vinte e cinco anos mais jovem. Sim, mas e daí? Em que te identificas com ela, mamãe perguntou. Preciso me agredir através de uma relação anal. Desculpa, filho amado, se mamãe está sendo crua. Então tua mãe brincou: quando fazes isso, no Natal, no Réveillon? Ele, baixando os olhos, sim, mais ou menos nessas datas.
Por tudo isso tua mãe passou e conhece histórias até mais contundentes. Pede um dia para tia Alice, tia Bárbara ou tia Eliana te apresentarem suas galerias de horrores.
Por aqui mamãe se despede, na esperança de que não fiques chocado com o relato. Mamãe detesta a ideia de ser agressiva com os homens.

Saudades

 Maria Amélia

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