MAMÃE, MINHA BOA
CONSELHEIRA
Porto Alegre, 12
de junho de 2.020
Amado filho
Cristiano:
Mamãe ficou
muito triste com tua última mensagem, por isso te escreve ao invés de
simplesmente pegar o telefone.
Contas que aos
trinta e oito anos cansaste de procurar um amor que te complete, as mulheres
não querem compromisso, usam e abusam dos teus sentimentos. Sinto imensamente
que assim seja, querido filho, mas devo dizer-te que os homens, através dos
séculos, cavaram suas próprias sepulturas. Hás de perguntar-me por quê. Qual a
tua culpa em relação ao comportamento das mulheres?
Tu, talvez não a
tenhas, mas deixa a mamãe contar o que passou durante a tua infância e
juventude. Talvez a história de vida da mamãe, que não é diferente da história
de suas amigas, te ajude a meditar sobre esse tema tão difícil que é o das
relações amorosas.
Chegou um tempo
em que tua mãe cansou de recomeçar infinitas vezes novas histórias de amor com
príncipes encantados e passou a escolher pessoas que aparentemente não
oferecessem perigo.
Tua mãe era
jovem e bela quando conheceu Amaury. Ele era um militante político. Fisicamente
ele lembrava uma figura de revista argentina que divertia mamãe na infância:
Doña Tremebunda. O homem era de uma gordura descomunal e caminhava balançando a
parte traseira como a personagem da charge. Pois não é, meu filho, que ele se
considerava o centro dos interesses femininos e relegava esta que te escreve a
um plano secundário, dedicando-lhe escassa atenção?
Quando o
político deixou mamãe, ela sofreu muito, tendo que procurar auxílio de um
psiquiatra para se refazer emocionalmente.
Refeita, tua mãe
conheceu um homúnculo de cabelos grisalhos e semi-longos. Mamãe saía com ele
fazendo a maior ginástica para não ser vista por conhecidos
nos bares,
restaurantes, cinemas. Sabes de que ele acusava mamãe? De ser possuidora de um
forte sentimento de insegurança e ciúmes doentios. Além disso, quando bebia, ele
não dizia duas frases sem perguntar: estás acompanhando o meu raciocínio? Como
se mamãe fosse demasiado lenta ou algo assim. Ele afirmava que mamãe fugia ao
contato das mulheres por medo de perdê-lo.
Mamãe conheceu
um homem vinte anos mais velho. Ele gostava muito de se comunicar, até nos
elevadores puxava conversa. As pessoas afastavam o rosto de perto dele quando
ele falava. Sabes o que ele disse certa manhã para tua mãe? Tu tens um bom
hálito. Foi o único elogio em seis meses de convívio.
Num verão dos
anos noventa, mamãe estava sentada num bar ao ar livre com duas amigas e
aproximou-se um homem visivelmente interessado. Meia hora mais tarde, ele
recitava Fernando Pessoa, falava inglês fluente e jogava todo o charme do
mundo. Mamãe não gostou dos olhos dele: arregalados e sem brilho. Mas o que era
um olhar alucinado perto de uma bunda gelatinosa, de um homúnculo pernóstico e
de um hálito que causava constrangimento nos elevadores? Mamãe ficou algum
tempo com ele. Ele pediu para contar um segredo: em certos períodos do ano, ele
sentia-se profundamente identificado com sua mãe já morta. Ela havia sido uma
atriz de teatro bonita e insinuante, abandonara a família por um ator vinte e
cinco anos mais jovem. Sim, mas e daí? Em que te identificas com ela, mamãe
perguntou. Preciso me agredir através de uma relação anal. Desculpa, filho
amado, se mamãe está sendo crua. Então tua mãe brincou: quando fazes isso, no
Natal, no Réveillon? Ele, baixando os olhos, sim, mais ou menos nessas datas.
Por tudo isso
tua mãe passou e conhece histórias até mais contundentes. Pede um dia para tia
Alice, tia Bárbara ou tia Eliana te apresentarem suas galerias de horrores.
Por aqui mamãe
se despede, na esperança de que não fiques chocado com o relato. Mamãe detesta
a ideia de ser agressiva com os homens.
Saudades
Maria Amélia
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