NEGO CUNDUNGA (Campereada
1998)
Rincão de são
Miguel e seus personagens
Tez
completamente negra, esguio, talvez 1,80m de altura (não sei se por eu ter
apenas 9 anos o via tão alto), queixo excessivamente proeminente, dentes alvos,
apesar do inseparável palheiro, e um constante sorriso aberto que permitia,
mesmo a quem não o quisesse, ver o róseo de suas gengivas, céu da boca e língua.
Esse era o "Nego Cundunga", o "Tio Cundunga",alegria do Rincão.
Os 74 Km de
estrada do local, por apresentarem horrível trafegabilidade, deixavam apenas o
"tilburi" como meio de transporte aos fazendeiros ,nos idos de
1950.Já o transporte de carga era feito pelos carroções do "Nego
Cundunga". Mantimentos, sementes, rações e toda a sorte de necessidades
chegavam até o fundo do Rincão nos três carroções puxados por quatro cavalos
cada um, guiados pela habilidade do "Nego" e seus filhos.
Quando chegava
de viagem na cidade, trazia e entregava aos fazendeiros as listas de necessidades,
que tinham uma semana ( seu descanso no povo), para providenciar a entrega das
mesmas para seu retorno ao Rincão.
Segundo ele
mesmo contava, saia de Alegrete por volta da meia-noite, fazendo seu primeiro
pouso e troca de cavalos no seu compadre "Tolentino", bem na famosa
porteira preta. Dali seus carroções entravam ruidosamente até uma certa altura
do Rincão da Palma, o que lhe permitia, falhar um pouso e retornar ao primeiro
para seguir viagem, que não era curta.
Uma das paradas
obrigatórias dos carroções era na estância São Jorge, de propriedade de meu avô
Joaquim Antonio da Silveira de onde não se enxergava a estrada, o que não
impedia que os cães de longe pressentissem e acusassem
sua chegada, o que
alvoroçava os peões que diziam:
-Aí vem o
"Nego Cundunga"...
Pela primeira
vez após ouvir tantos comentários à beira do fogo, eu via chegar os carroções. Ao
vê-los, correu-me um arrepio, finalmente ia ver de perto tão afamado personagem
do Rincão.
Carroças
colocadas à sombra, cavalos desatrelados e apos refrescar , lombos lavados
carinhosamente.
A tudo eu
assistia, ansioso para ouvir suas peripécias de viagem. Como ele tinha coisas
mais importantes a fazer, ignorou-me. Foi fazer um relatório ao meu avo e
entregar as encomendas ao caseiro
Com a chegada dos
carroções, pude entender porque o chamavam "alegria do Rincão", pois
traziam brim, chitas, rendas, brilhantina, fumo, "amor gaúcho", enfim
tudo o que era necessario para que peões e prendas se "pilchassem"
melhor para os bailes de rancho ou para os namoricos de Domingo a tarde.
Após três dias
da feliz novidade para mim, vi que na recolhida da tarde(hora que trazem os
cavalos do potreiro), vieram os cavalos dos carroções. Perguntei ao capataz por
quê.
Respondeu-me que
os cavalos iam ficar presos para "adelgaçar", pois Tio Cundunga iria
sair de madrugada grande.
À noite, apos a
janta, ele foi despedir-se de meu avô e de mim, dizendo que ia até o fim da
rota troncal e voltava por ela à Alegrete.
Acordei cedo no
dia da partida, pra ver se ainda assistia o atrelar, mas "que puxa"
saiu mesmo de madrugada grande.
Por muitas
outras férias, a chegada dos carroções aconteceu, sempre cercada da mesma
expectativa e alegria e eu até hoje me surpreendo de ouvido alerta, esperando
ver surgir dos fundos da "São Jorge" o "Nego Cundunga" com
seu sorriso de orelha a orelha e seu comboio de alegrias e lembranças.
Muito legal. Bela recordação. Abraço
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