terça-feira, 17 de novembro de 2015

PARA ONDE VAI O AMOR... - Crônica de Maria Clara Prati (Porto Alegre. RS)

PARA ONDE VAI O AMOR QUE NÃO SE REALIZA?

É muito difícil orientar os filhos sobre relações amorosas. Com o advento da independência financeira da mulher, cada vez menos papai e mamãe sugerem que a filha ou filho termine o namoro com aquele moço ou moça porque não é do mesmo nível social, não vai ter condições de dar o conforto com o qual ela está acostumada, ou, no caso do rapaz, a esposa não vai saber se comportar diante dos amigos dele.

Graças a Deus, porque ainda existem pais que fazem isso, por falta de capacidade de observação já que nas suas próprias famílias devem existir tios e tias que casaram com quem os papais e mamãe faziam gosto e o escolhido se revelou um incapaz para construir uma vida produtiva, enquanto que a filha sofreu muito ao desistir de um namorado de juventude porque não tinha eira nem beira e hoje vê uma amiga com ele, um sucesso na profissão em que pouco a pouco conseguiu se firmar, os filhos tendo acesso às melhores escolas, os melhores cursos, viagens e, o que é mais importante, dando valor para tudo porque sabem que pai e mãe lutaram para conseguir proporcionar aquela vida para eles.

Há poucos dias eu e uma amiga conversávamos sobre a neta de uma conhecida nossa que foi proibida de namorar um moço porque ele não pertencia a uma das famílias mais prestigiadas de Erechim ou Passo Fundo, não recordo a cidade. O jovem era pianista de um conjunto local, não conseguiu ir para a
Universidade e os pais da moça chegaram à conclusão que se não era rico tinha que ser pelo menos médico ou engenheiro para a filha poder frequentar a sociedade de igual para igual com as amigas de infância. O rapaz entrou para o exército para tentar estudar, seguiu os passos dela, se encontraram algumas vezes até que a vida social dela os separou. Ela casou com o filho de um fazendeiro (já disse várias vezes que filho de rico não é rico, isso não é Alzheimer) que não tinha desenvolvido o hábito do trabalho, teve oportunidade de fazer parte de um curso superior, porque o dinheiro também paga universidades, e o patrimônio começou a mermar até que acabaram sem nada.

Separados, a senhora reencontrou o antigo amor, mas era tarde. Ela estava com uma doença grave, uma expectativa de vida muito curta. Ela conseguiu até prolongar bastante esse período em que se encontrou com o ex-namorado, mas um dia veio a Porto Alegre para vê-lo e, sentados à beira do Guaíba, na hora que o sol se punha e o rosto cansado dela resplandecia com os reflexos, disse-lhe: Pedro, ainda não foi desta vez.

E o leitor deve estar perguntando, se é uma história real como é que a dona Maria Clara sabe tantos pormenores. Ah, porque a Maria Clara aqui vinha pela Rua da Praia outro dia e o encontrou. Foram tomar um café no terraço da Casa de Cultura e ele contou a história dele com a moça – do primeiro encontro, enquanto ele tocava piano e ela dançava com os moços da classe social dela, até a hora da despedida.


E passei dias me perguntando: essas pessoas que são impedidas de viver um amor têm um sentimento dentro de si que às vezes até transborda e é transferido para sua relação com o mundo. São esses seres amorosos que encontramos às vezes e nos tratam com tanta gentileza que parece que nos conhecemos de uma vida inteira. Mas essa torrente de sentimento positivo tem um objeto e se não pode se direcionar para ele, para onde vai? Há pessoas que enlouqueceram por não terem se realizado no amor, afinal, para onde vai o amor dessas pessoas que não o podem entregar para o ser amado?

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