sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

ISABELA E SOFIA - Conto de Gilka Coimbra (Uruguaiana, RS)

ISABELA E SOFIA

Entrou e chamou pela mãe. Não obteve resposta. Deve estar na cozinha preparando o jantar, pensou Isabela, afinal sempre passou a maior parte do tempo por lá. Parou logo na entrada, esperando ser recebida. Olhou ao redor e escutou o silêncio da casa equivalente ao tempo em que esteve fora. Andou mais um pouco e avistou o corredor que conduzia aos quartos. Abria as portas e os sussurros e risos das brincadeiras passadas libertavam imagens da infância e da adolescência.

No aposento dos irmãos, sentiu saudades da afinidade e da proteção deles. Curiosa remexeu nas gavetas, desfrutando do isolamento e do espaço a sua disposição. Queria invadir a privacidade masculina, o que sempre lhe fora negado – único motivo de arruaça entre eles e ela. Como irmã menor a curiosidade pelo quarto dos irmãos nunca fora saciada.

Revirou as gavetas. Encontrou a caixinha com as bolas de gude, um estilingue, alguns carrinhos descascados, o uniforme do time da escola, fotografias de ex-namoradas e algumas revistas pornográficas. Folhou-as sem maior interesse.

Continuando sua excursão pela casa materna, permaneceu imóvel em frente à porta do próprio quarto, aquele que a abrigara durante a maior parte da vida. Quando entrou, o tempo olhou para trás. A cama de solteira mantinha a colcha bordada pela avó, na pequena cômoda o porta-joias de louça continha velhas bijuterias em desuso, o vasinho de cristal com as flores de tecido desbotadas pareciam esquecidas. Nas
gavetas, convites para bailes de formatura, uma carteira de cigarros vazia, um ingresso de cinema, um chaveiro com um elefantinho verde de vidro sem uma patinha. Isabela sorria.

À esquerda do quarto, o guarda roupas. A chave continuava levemente torta e a porta não fechava direito, permitindo uma réstia de luz em direção ao seu interior. Quantas vezes ela se escondera ali para brincar. Gostava de brincar sozinha, o que preocupava um pouco a mãe. – Bobagem! – Dizia o pai, deixa a menina em paz.

A mãe não tinha mesmo por que se preocupar. A boneca Sofia lhe fez companhia por muito tempo. Estavam sempre juntas por todos os cantos da casa. Na hora da escola, Isabela, abria o guarda roupa e a colocava lá dentro. Não queria que corresse nenhum perigo. Mesmo assim saía preocupada, pois a porta não ficava bem fechada.

Agora, depois de tanto tempo, com as portas do armário abertas de par em par, Isabela observa o seu interior. O que teria sobrado da sua infância?

– Sofia, por onde andas? Cheguei.

***

Era miúda, por isso escorregou por entre os espaços vazios das prateleiras. Encolhida no fundo do guarda roupa, apoiava-se nos longos vestidos de festa que pendiam dos cabides. Perdera a noção do tempo. Só a imagem um pouco embaçada de uma menina que brincava com ela permanecia. De uns tempos para cá, sentia-se estranha com receio de não ser encontrada e permanecer ali para sempre.
No lusco-fusco daquele lugar, com cheiro de naftalina e perfume francês continuava esperando, atenta aquele fiozinho de luz que entrava pela fresta da porta mal fechada. A menina nunca a fechou, ela sabia dos seus temores.

De repente, o fiozinho abriu-se em pura luz. Virando a cabeça de um lado e de outro, como quem precisa ter certeza do que estava ouvindo, Sofia alertou-se. Será? Precisava ver a menina mais uma vez. Só mais uma vez, afinal elas crescem.


– Isabela? – Sofia pensou ter ouvido a própria voz.

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