O
LEITOR
Saí
para o lanche as 17 hrs de uma tarde ensolarada, antecipada no horário de
verão. A brisa incessante provocava um frescor suave. Mesmo assim, movimentava
as plantas do entorno, num farfalhar digno de orquestra. O verão chegará logo.
Fiz a opção mais comum para o lanche. Com dois envelopes de ‘clube social’
trazidos de casa, atravessei até o outro lado do shopping e pedi o de sempre,
um expresso na Praver. Voltei e fui ao refeitório dos funcionários no subsolo,
junto a garagem. Lá há uma boa mesa, microondas e pia. Também uma boa janela,
que nos serve um pouco de jardim e um canto de céu. A opção incomum é caminhar
uma quadra e sentar-se na padaria Bassani para comer uma fatia de marta-rocha
ou um pedaço de batata doce assada na hora com um “cortado” servidos no balcão.
Ainda
atravessando o shopping, indo buscar o tal café, vejo sentado na mesa externa
da loja de chocolates, um senhor bem velho, magro e muito alto, com sua bengala
sustentando suas duas mãos, uma sobre a outra, em posição de escuta, imóvel, com
a atenção ao que lhe era lido pelo outro homem ao seu lado. Presto atenção e
penso ser o pai do Fábio, amigo fotógrafo, que foi muito amigo da Ventura
Livros. Quando volto com o café para descer as escadas que me levarão ao
refeitório, caminho mais pausadamente, equilibrando o café quente. Chego a
pensar em me fazer lembrar, afinal era seu Luigi del Re, que tantas vezes
frequentou a livraria no tempo da Andradas, no número 1332. É fácil recordar o
Fábio apresentando seu pai que depois virou frequentador da livraria. Homem
alto e de passos rápidos,
mesmo se utilizando da sempre presente bengala. Autor
do livro ‘Pelos caminhos da Patagônia’,de relatos da região argentina e de
admiráveis desenhos de focas e gaivotas a mão livre. Descubro agora um outro livro
seu, o romance “Bruno e os elefantes-marinhos”, pela editora Record. No
romance, o autor conta a história daquele pedaço de tempo em que filhos
idolatram os pais, que amam incondicionalmente os filhos, e tudo parece
perfeito e absurdamente promissor, até que... O futuro é interrompido. (O
Estado do Paraná - 14/01/2007 )
“Ler
o livro de Luigi Del Re é lutar com nossos próprios fantasmas, eventualmente
realidades. É doloroso, mas não opressivo, é de fazer refletir, mas sem
amargura. Não é um livro sobre a morte: é uma obra sobre o amor de um pai. E,
como tal, faz parte dos livros que devem ser lidos porque, de certa forma,
tornam a gente melhor”, diz Lya Luft, escritora.
Luigi
Del Re é italiano e mora no Brasil há 58 anos. Publicou, na Itália, Attesa a
Guatambú (Mondadori, 1983) e, no Brasil, Pelos caminhos da Patagônia (Editora
Mercado Aberto, 1994), “Bruno e os elefantes-marinhos”- editora Record Está com
92 anos. Importante ainda dizer, que Luigi traduziu para o português o livro “É
isto um homem?”, de Primo Levi, editora Rocco. Importante texto de testemunho
de outro italiano escritor, sobrevivente de Auschwitz, Primo Levi:
“As
portas foram trancadas imediatamente, mas o trem só partiu à noite. Soubemos
com alívio qual era nosso destino: Auschwitz. Um nome que, para nós, nada
significava, mas que deveria corresponder a algum lugar deste mundo.(...) Pela
fresta, alguns nomes conhecidos e outros estranhos de cidades austríacas,
Salzburg, Viena; depois, tchecas; por fim, polonesas. Na noite do quarto dia, o
frio ficou mais pungente, o trem corria entre escuros pinheirais sem fim,
sempre subindo. A neve era alta. deveríamos estar em uma linha secundária, pois
as estações eram pequenas e quase desertas. Ninguém tentava mais comunicar-se
com o mundo externo, sentíamo-nos “do outro lado”. Houve uma longa parada na
campina aberta; logo a marcha recomeçou, lenta, lentíssima, até que o comboio
parou definitivamente, no meio da noite, numa planície escura e silenciosa.” ,
“É isto um homem?”.
Resolvo
não interromper seu Luigi e o filho que lia ao pai em italiano numa condição
fraterna admirável.
Desci
as escadas e tirei a caneta do bolso.
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