sexta-feira, 30 de outubro de 2015

NA PRAIA - Conto de Márcio Estamado (Álvares Machado, SP)

NA PRAIA

As crianças chegaram à frente. Nos rostos, a alegria incontida, que um céu semiacinzentado emoldurava.
-Já, já essas nuvens se vão. Faz como eles.
Os pares de chinelos diminutos, abandonados durante a desabalada carreira, me autorizaram. Nos pés, a sensação macia, tépida, aconchegante. O sol estivera mesmo por ali, há pouco. Revolvi os grãos finos com o dedão. Incontáveis; mas cada grão é único. Fui em direção ao mar que avançava, lenta e soberanamente. Ouvi uma voz, dizendo:
-Olha como correm!
Sorri satisfeita; perseguiam uma gaivota que já longe ia. Os pezinhos nus rasgavam o fino lençol d’água que lambia a areia. Naquele instante, o vento afastou nuvens frágeis, trazendo um brilho caloroso, e também o sal do oceano. Será que esse sal é daqui? Ou de além-mar? Minha curiosidade foi aguçada pelo sedimento úmido e duro, conchas, e muitas pedrinhas, que acariciavam rudemente as solas de meus pés. À minha frente, mar e horizonte, misturando-se ao longe.
Voltei; já ele tinha preparado a esteira, com nossa refeição. Uma cadeira preguiçosa aguardava.
-Senta.
-Prefiro a areia, disse.
Deitei-me de costas, apoiada em meus cotovelos. O calor crescente não me intimidava.
-Te sentes cansada?
Sim, me sentia cansada. Mas ter vencido tudo, metástases, quimioterapias, tornava aquele cansaço insignificante.

Observei a onda que vinha e a outra, logo atrás. Na espuma que traziam, a minha, a tua, as nossas vidas. E a do filho que um dia eu quero ter.

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