FLORIANO
Floriano era
homem imenso. De ombros largos, voz empostada, cheio de polidez e boas
maneiras. Quando estava na cidade, era assíduo frequentador de absolutamente
todos os velórios de desconhecidos. Às
últimas homenagens aos conhecidos, ele abdicava, preferindo ficar em seu
quarto, nos fundos da casa dos meus avós, bicando uma cachaça ordinária. Fazia
questão de usar um português impecável e arcaico e trajar ternos de linho branco
e sapatos Bataclã. Aos domingos passeava displicente pelas carreiras de
cavalos, gastando todas as patacas de sua parca aposentadoria, e foi lá mesmo
que deixou sua sorte, sobrando-lhe do muito que teve, o triste patrimônio de
oito hectares de campo duro, um cavalo crioulo e um apêro de prata, fazendo de
Marina, minha irmã, sua única herdeira.
Com a perda do
campito nas carreiras, a morte do cavalo e o roubo dos arreios, Marina deixou
de acreditar na própria sorte, mas não deixou de proteger Floriano dos ataques
que sofria da família, que o acolheu por ser sozinho e distantemente
aparentado. Não fazia arruaças, mas quando bebia atacava a geladeira e enchia
os bolsos de panquecas e bolos de arroz e os escondia n guarda-roupa. A
empregada e a família pediam que ele comesse
o que quisesse e a hora que bem entendesse desde que em local apropriado
e sem esconder alimentos embaixo dos seus suéteres. Quando o acusavam de estar
bebendo muito, Marina defendia seus hábitos atribuindo-os a alguma deficiência mental, afinal era filho
de Leocádio, o homem que só sentava-se à mesa com uma lata de massa de tomate
em cada orelha, presas por um arame, dizendo-se o speaker do além. A genealogia
de Floriano depunha contra ele.
Quando iam para
a estância, levavam Floriano, que se ajeitava pelo galpão. Nada o fazia mudar
de ideia, era lá que ele gostava de ficar floreando o português de uma forma
tão ostensiva que a peonada só conseguia entendê-lo por intuição. Logo
arranjava uns cambichos com as filhas de algum lindeiro e era rapidamente
aceito pelas famílias. Tinha conhecimentos significativos de história,
geografia e pecuária , e o cuidado de ocultar seus hábitos de prodigalidade e
bebedeiras. Meu tio, via em Floriano o alvo certo de diversões sádicas. Sempre
que se pilchava a preceito, com
largas bombachas domingueiras, camisa engomada,
botas aluminando e montava o pingo a tempo de comer o bolo da tarde com alguma
moça, meu tio já havia providenciado algum purgante no mate ou esfregado com
antecedência as bombachas em alguma cadela no cio. Os namoros sempre terminavam
por caganeiras em horas ingratas e a cuscama que batia, com a libido alterada
em suas pernas causando desconfianças na família.
Uma noite
Floriano chegou em casa já a meia guampa, olhou sobre o balcão da cozinha um
detergente comprado no Buraco. Apertou os olhos, afastando o rótulo para ler
com mais nitidez. “Limón” balbuciou.
Marina lendo um
livro gritou:
-É detergente,
tio.
Ele não ouviu,
derramou o conteúdo viscoso no fundo do copo, completou com água causando uma
espumarada. Deu um gole.
-Argh!
Abriu o
açucareiro a adoçou com uma colher de açúcar.
-Credo, nesse
instante encontro-me portador de sintomas inquietantes.
-É detergente,
tio.
Mais uma colher
e atraca o copo todo.
-Estou
desconfiado, sinto-me nauseado o que faz-me crer que este conteúdo possui
obscuras funções com efeitos colaterais prodigiosos, que confundem os sinais vitais. Tenho
certeza, marina, sem sombra de dúvidas, que teu tio, mai uma vez, ameaçou minha
já tão acinzentada vida.
-É detergente,
tio.
-Batráquio,
pústula, pérfido, torpe. Aproveita-se de minha tendência de mergulhar
estupidamente na confiança humana.
Marina escondeu
o detergente. Floriano não se lembrou de nada no dia seguinte. Atribuiu o mal
estar aos excessos do clima e continua escondendo pastéis nas gavetas de suas
cuecas e tentando recuperar o patrimônio nas carreiras para não perder a
admiração da única pessoa que entendia seus delírios.
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