terça-feira, 8 de dezembro de 2015

DO VAZIO, O PRINCÍPIO - Crônica de Gilka Coimbra (Uruguaiana, RS)

DO VAZIO, O PRINCÍPIO

Nessa época, todos querem manifestar-se. Se não o fizer, parece descaso com os amigos, com o espírito de renovação que ronda sempre os finais de ano, com a espiritualidade ornamentada de luzes, de músicas, de anjinhos e enfeites fluorescentes nas ruas e vitrines espalhadas pela cidade. É de novo Natal.
Mensagens circulam na Internet com textos, imagens, músicas, desenhos coloridos que piscam e brilham sem cessar. Uma delas (aliás, recebi mais de uma vez) falava sobre o “Princípio do Vazio”, alertando para o vício de guardar coisas, ou sentimentos que não nos servem mais.
Desfazer-se abre espaço para outros inícios, dizia a mensagem, o que remete à boa ideia de novidade, de frescor, de viço e se contrapõem ao que está gasto, obsoleto, quem sabe anciano até – induzia o texto.
É de novo Natal. Nos intervalos das luzes e cores paira certa nostalgia e, só por isso, contrariando a mensagem do desfazer-se, fiz uma lista de pedidos.
Papai Noel, se for possível, bem que eu queria de volta:
Aquele sapato preto de pelica, de salto alto bem fininho, que ele carregou para mim, depois do baile, no caminho para casa;
a mini saia que fez sucesso, nos jogos inter séries do colégio, e eu fingia não notar;
O caderno de Filosofia que não sei onde foi parar, com as minhas primeiras poesias dedicadas a um professor da Faculdade que nem lembro mais o nome;
As cartas e os bilhetes do antigo namorado, aquelas que eu queimei, no primeiro ano de casada, porque a vida estava completa e era para sempre;
As fotos que rasguei porque me achei horrorosa. Não ia me registrar para a posteridade com aqueles cabelos antes da escova progressiva;
O livro “Mila 18”, de Leon Uris, que encerrou minha adolescência. Perdi, porque emprestei e não fui atrás;
A colcha de crochê feita pela minha bisavó, especialmente para mim e que não sei que fim levou;
A casa de campo que abri mão na separação. Não quero para sempre, só para reviver a infância das crianças e o tempo das ilusões;
Os cachinhos de cabelo das minhas filhas. Sei que não me desfiz deles, estavam enroladinhos num papel de seda dentro de uma bolsa. Será que dei a bolsa?
Esse, eu não sei se posso pedir, mas, Papai Noel o primeiro amor tem um gosto de verdadeiro...
Tempo. Só para fazer diferente algumas coisas. É eu sei – tempo – já é mais difícil, entendo...

Papai Noel, escuta. Eu não sou do grupo que guarda e, portanto – desse vazio recomendado – bem que eu queria (outra vez) o princípio.

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