DO VAZIO, O
PRINCÍPIO
Nessa época, todos
querem manifestar-se. Se não o fizer, parece descaso com os amigos, com o
espírito de renovação que ronda sempre os finais de ano, com a espiritualidade
ornamentada de luzes, de músicas, de anjinhos e enfeites fluorescentes nas ruas
e vitrines espalhadas pela cidade. É de novo Natal.
Mensagens circulam
na Internet com textos, imagens, músicas, desenhos coloridos que piscam e
brilham sem cessar. Uma delas (aliás, recebi mais de uma vez) falava sobre o
“Princípio do Vazio”, alertando para o vício de guardar coisas, ou sentimentos
que não nos servem mais.
Desfazer-se abre
espaço para outros inícios, dizia a mensagem, o que remete à boa ideia de
novidade, de frescor, de viço e se contrapõem ao que está gasto, obsoleto, quem
sabe anciano até – induzia o texto.
É de novo Natal.
Nos intervalos das luzes e cores paira certa nostalgia e, só por isso,
contrariando a mensagem do desfazer-se, fiz uma lista de pedidos.
Papai Noel, se for
possível, bem que eu queria de volta:
Aquele sapato
preto de pelica, de salto alto bem fininho, que ele carregou para mim, depois
do baile, no caminho para casa;
a mini saia que
fez sucesso, nos jogos inter séries do colégio, e eu fingia não notar;
O caderno de
Filosofia que não sei onde foi parar, com as minhas primeiras poesias dedicadas
a um professor da Faculdade que nem lembro mais o nome;
As cartas e os
bilhetes do antigo namorado, aquelas que eu queimei, no primeiro ano de casada,
porque a vida estava completa e era para sempre;
As fotos que
rasguei porque me achei horrorosa. Não ia me registrar para a posteridade com
aqueles cabelos antes da escova progressiva;
O livro “Mila 18”,
de Leon Uris, que encerrou minha adolescência. Perdi, porque emprestei e não
fui atrás;
A colcha de crochê
feita pela minha bisavó, especialmente para mim e que não sei que fim levou;
A casa de campo
que abri mão na separação. Não quero para sempre, só para reviver a infância
das crianças e o tempo das ilusões;
Os cachinhos de
cabelo das minhas filhas. Sei que não me desfiz deles, estavam enroladinhos num
papel de seda dentro de uma bolsa. Será que dei a bolsa?
Esse, eu não sei
se posso pedir, mas, Papai Noel o primeiro amor tem um gosto de verdadeiro...
Tempo. Só para fazer
diferente algumas coisas. É eu sei – tempo – já é mais difícil, entendo...
Papai Noel,
escuta. Eu não sou do grupo que guarda e, portanto – desse vazio recomendado –
bem que eu queria (outra vez) o princípio.
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