terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O CRIADOR E SUAS CRIATURAS - Conto de Jorge Silveira Wernz (Alegrete, RS)

O CRIADOR E SUAS CRIATURAS

Após seis dias de trabalho incansável para a formação do UNIVERSO, resolveu Deus dar uma sesteada em sombra boa e aguada farta.
Acho que para isso escolheu o Rincão de São Miguel.
Após o almoço, entre uma "madorma" e outra, ficou observando a água cristalina que corria próxima de si. Estendeu suas mãos em conchas, bebericou dois ou três goles e disse-lhe:
"Bueno, minha amiga, tu vais ser o maior tesouro que criei para a humanidade. Para conservar-te limpa, vou criar o MUÇUM, o CASCUDO e o JUNDIÁ, pois do barro armazenado em teu leito, eles tirarão sua sobrevivência. Para que esses não cresçam desordenadamente, colocarei a TRAÍRA que permanecerá sempre em seu habitat. Como o seu crescimento pode ser excessivamente grande, darei ao DOURADO um poder maior de ação para que a TRAÍRA não comece a se 'fresquear" demais e querer ter muitos filhos. E, o DOURADO que não fique muito alegre, porque ele terá um crescimento controlado pela PALOMETA que também colocarei em suas águas. Pode ser que a PALOMETA seja o maior erro que farei, mas acredito que colocando o JACARÉ, ele controlará o excessivo nascimento das Palometas. O controle dos jacarezinhos que a natureza não quiser receber, a TRAÍRA e o DOURADO controlarão. Enfim, queridas águas, criei um equilíbrio para que vocês sigam com a tarefa de matar a sede do MUNDO".
Recostou-se ao tronco do velho Angico, coçou deliciosamente a longa barba e cochilou novamente, acordando quando um pequeno raio de sol teimava em penetrar por entre os galhos da frondosa árvore, atingindo-lhe o rosto. Sentindo o calor, foi às águas cristalinas que ainda corriam. Tornou a usar as mãos em conchas, bebericou novamente, molhou o rosto, as longas barbas e voltou para encostar-se no velho Angico.
Observando a intensidade do sol e a
sua teimosia infrutífera em passar pelos galhos da frondosa árvore, suspirou e voltando-se para o Angico e demais árvores à sua volta, disse:
"Bueno, minhas amigas, vocês também vão ter uma parcela importante na continuidade deste Universo que criei e, para que não haja interrupção na procriação das suas famílias, colocarei nas regiões mais altas a GRALHA AZUL, ficando ela de responsável pela replantação da Araucária; para isso, de dez sementes replantadas, ela somente lembrará de três. Nas terras baixas, colocarei o JACU e o BUGIO, pois após comerem e peletizarem as sementes de PAU FERRO, ANGICO, VELUDINHO, PITANGA, AMORA, etc, ao pularem de galho em galho, das suas fezes certamente novas mudas brotarão".
Desta vez, não cochilou. Ficou a coçar a velha longa barba e pensando na perfeição que acabara de criar, viu que faltava algo. Refez o ritual de voltar à água cristalina, bebericou, molhou a barba e levando as mãos ao leito, onde LAMBARIS já se assanhavam, recolheu um pouco de barro e retornou à sombra. Após trabalhar e sovar o barro, inspirou-se e fez o Homem à sua imagem. Inspiração criada, já estava Deus com um companheiro para conversar.
Conversa vai, conversa vem, o Velho de longas barbas deu-se conta de que faltava a companheira do homem de barro. Fez o homem de barro dormir novamente e, extraindo-lhe uma costela, dela fez a pensada companheira.
Concluída sua obra e, já à tardinha, louco para recolher-se aos pelegos por cansaço, dirigiu-se ao Homem de Barro e à Mulher da Costela e disse-lhes:
"Bueno meu amigo e minha amiga, vocês têm um mundo perfeito para viver. Vivam e deixem viver, pois só assim vocês se manterão vivos por muitos e muitos séculos, sem susto”.
Neste ano de 2000, retornou o HOMEM das longas barbas para rever sua obra. Após muito procurar, conseguiu encontrar um pequeno Espinilho às margens de uma sanga barrenta. Procurou por horas a sua Gralha Azul, o seu Jacu, o Bugio, o rabanar de um Dourado ou de uma Traíra, nada! Não conseguindo sestear, dado à escassez da sombra, viu o barulho de cascos se aproximando. Era um vivente a cavalo, tentando mostrar que era gaúcho, mas suas pilchas não confirmaram. Dirigindo-se àquela imitação de homem, perguntou:
"Onde estão o Homem de Barro e a Mulher da Costela que eu criei? ”
Respondeu-lhe o arremedo de gaúcho:
"Estiveram por aí em muitas guerras, brigando por riqueza e poder. Por último, um homenzinho da tal de Alemanha com um bigodinho curto, e que se intitulava REICH chegou a matar ‘seis milhão de vivente'”. Dizendo isso, seguiu sua marcha.
O HOMEM das longas barbas, estarrecido com o que vira e ouvira, perguntou-se:

"O que eu criei?".

Nenhum comentário:

Postar um comentário