O CRIADOR E SUAS
CRIATURAS
Após seis dias de
trabalho incansável para a formação do UNIVERSO, resolveu Deus dar uma sesteada
em sombra boa e aguada farta.
Acho que para isso
escolheu o Rincão de São Miguel.
Após o almoço,
entre uma "madorma" e outra, ficou observando a água cristalina que
corria próxima de si. Estendeu suas mãos em conchas, bebericou dois ou três
goles e disse-lhe:
"Bueno, minha
amiga, tu vais ser o maior tesouro que criei para a humanidade. Para
conservar-te limpa, vou criar o MUÇUM, o CASCUDO e o JUNDIÁ, pois do barro
armazenado em teu leito, eles tirarão sua sobrevivência. Para que esses não
cresçam desordenadamente, colocarei a TRAÍRA que permanecerá sempre em seu
habitat. Como o seu crescimento pode ser excessivamente grande, darei ao
DOURADO um poder maior de ação para que a TRAÍRA não comece a se
'fresquear" demais e querer ter muitos filhos. E, o DOURADO que não fique
muito alegre, porque ele terá um crescimento controlado pela PALOMETA que
também colocarei em suas águas. Pode ser que a PALOMETA seja o maior erro que
farei, mas acredito que colocando o JACARÉ, ele controlará o excessivo
nascimento das Palometas. O controle dos jacarezinhos que a natureza não quiser
receber, a TRAÍRA e o DOURADO controlarão. Enfim, queridas águas, criei um
equilíbrio para que vocês sigam com a tarefa de matar a sede do MUNDO".
Recostou-se ao
tronco do velho Angico, coçou deliciosamente a longa barba e cochilou
novamente, acordando quando um pequeno raio de sol teimava em penetrar por
entre os galhos da frondosa árvore, atingindo-lhe o rosto. Sentindo o calor,
foi às águas cristalinas que ainda corriam. Tornou a usar as mãos em conchas,
bebericou novamente, molhou o rosto, as longas barbas e voltou para encostar-se
no velho Angico.
Observando a
intensidade do sol e a
sua teimosia infrutífera em passar pelos galhos da
frondosa árvore, suspirou e voltando-se para o Angico e demais árvores à sua
volta, disse:
"Bueno,
minhas amigas, vocês também vão ter uma parcela importante na continuidade
deste Universo que criei e, para que não haja interrupção na procriação das
suas famílias, colocarei nas regiões mais altas a GRALHA AZUL, ficando ela de
responsável pela replantação da Araucária; para isso, de dez sementes
replantadas, ela somente lembrará de três. Nas terras baixas, colocarei o JACU
e o BUGIO, pois após comerem e peletizarem as sementes de PAU FERRO, ANGICO,
VELUDINHO, PITANGA, AMORA, etc, ao pularem de galho em galho, das suas fezes
certamente novas mudas brotarão".
Desta vez, não
cochilou. Ficou a coçar a velha longa barba e pensando na perfeição que acabara
de criar, viu que faltava algo. Refez o ritual de voltar à água cristalina,
bebericou, molhou a barba e levando as mãos ao leito, onde LAMBARIS já se
assanhavam, recolheu um pouco de barro e retornou à sombra. Após trabalhar e sovar
o barro, inspirou-se e fez o Homem à sua imagem. Inspiração criada, já estava
Deus com um companheiro para conversar.
Conversa vai,
conversa vem, o Velho de longas barbas deu-se conta de que faltava a
companheira do homem de barro. Fez o homem de barro dormir novamente e,
extraindo-lhe uma costela, dela fez a pensada companheira.
Concluída sua obra
e, já à tardinha, louco para recolher-se aos pelegos por cansaço, dirigiu-se ao
Homem de Barro e à Mulher da Costela e disse-lhes:
"Bueno meu
amigo e minha amiga, vocês têm um mundo perfeito para viver. Vivam e deixem
viver, pois só assim vocês se manterão vivos por muitos e muitos séculos, sem
susto”.
Neste ano de 2000,
retornou o HOMEM das longas barbas para rever sua obra. Após muito procurar,
conseguiu encontrar um pequeno Espinilho às margens de uma sanga barrenta.
Procurou por horas a sua Gralha Azul, o seu Jacu, o Bugio, o rabanar de um
Dourado ou de uma Traíra, nada! Não conseguindo sestear, dado à escassez da
sombra, viu o barulho de cascos se aproximando. Era um vivente a cavalo,
tentando mostrar que era gaúcho, mas suas pilchas não confirmaram. Dirigindo-se
àquela imitação de homem, perguntou:
"Onde estão o
Homem de Barro e a Mulher da Costela que eu criei? ”
Respondeu-lhe o arremedo
de gaúcho:
"Estiveram
por aí em muitas guerras, brigando por riqueza e poder. Por último, um
homenzinho da tal de Alemanha com um bigodinho curto, e que se intitulava REICH
chegou a matar ‘seis milhão de vivente'”. Dizendo isso, seguiu sua marcha.
O HOMEM das longas
barbas, estarrecido com o que vira e ouvira, perguntou-se:
"O que eu
criei?".
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