terça-feira, 8 de dezembro de 2015

EM SE PLANTANDO TUDO DÁ - Crônica de Vera Ione Molina Silva (Uruguaiana, RS)

EM SE PLANTANDO TUDO DÁ – uma reflexão sobre cultura

Uma jovem, os cabelos longos e sedosos, o sorriso largo, a despeito dos olhos tristes, entrou na Galeria Independência, em Porto Alegre. A surrada bata indiana, esticada pelo ventre protuberante de seus oito meses de gestação. Oferecia pares de brincos e óculos escuros argentinos para os lojistas. Houve um momento em que ela sentiu que enquanto se dirigia para a próxima boutique, os funcionários a seguiam com o olhar, as expressões faciais nada simpáticas. Um deles chegou a interpelá-la e ela respondeu que só estava vendendo objetos por um valor maior do que aquele pelo qual os adquirira. Qual era o problema de alguém ganhar dinheiro para adquirir o enxoval do seu bebê?
Essa mulher, só muitos anos mais tarde, viria a saber que aquilo era contrabando ou descaminho, algo ilícito. Em Uruguaiana parecia natural, por quê? Por que era um costume, fazia parte da cultura do lugar. E, de volta a Uruguaiana, longos anos depois, pegou-se sentada no local onde tem seu pequeno negócio, casualmente uma galeria, escolhendo meias de lã de um outro jovem homem, que as retirava de uma discreta sacola plástica. Disse não, pois estava dentro de uma galeria comercial, os
lojistas pagavam impostos, aquele papo todo do contribuinte.
Então cultura não é promoção de lançamentos de livros, exposições de artes plásticas? Também é. Essas são manifestações da cultura institucionalizada, aceita, promovida, cultivada. Cultivar é o verbo, cultura o substantivo. Cultura é o conjunto de usos, costumes, produção artística, industrial, agropecuária. Tudo o que é produzido pela inteligência humana.
O moço que entrou na galeria trazia uma discreta sacola, o que, ao leitor atento, leva a deduzir que não era tão ingênuo quanto à jovem gestante dos anos 70. Por que será? Por que embora alguns filólogos definam a cultura de determinada civilização como o conjunto de seus valores e conhecimentos perenes, a cultura é altamente dinâmica, já desde a era do rádio, agora, então, em tempos de internet, as mesmas informações influenciam imediatamente as diferentes sociedades. E certamente o moço sabe que há mais rigor na fiscalização, leu e escutou através de vários meios de comunicação que não é correto competir com quem paga impostos.
O termo cultura tem origem na agricultura, em razão da flagrante analogia entre as etapas do cultivo do solo e da formação da cultura humana. Mas a cultura de um terreno pressupõe sua limpeza de toda a sujeira e ervas daninhas, a aragem e o cultivo dos vegetais ou cereais desejados. A plantação obedece a determinadas regras.
Pessoalmente, não aceito a famigerada comparação, pois trata de pessoas como se fossem terra arrasada, já que teriam de sofrer um processo de limpeza das “ervas daninhas”. Quem limpa o quê? Os auto-proclamados intelectuais desprezam tudo o que vem da cultura popular. Eu acredito que todas as manifestações culturais podem conviver.
Acredito que é melhor ler uma revista de amor, ou assistir a uma novela na TV, do que não ler nem assistir nada. Estes hábitos poderão despertar o gosto por desvendar tramas, e essa pessoa, tendo oportunidade, poderá vir a ser um leitor da chamada boa literatura. Isso acontecerá também com as outras manifestações culturais.

E vamos à biblioteca, aos cinemas, ao teatro, vamos participar de oficinas de criação literária, de iniciação musical, de dança, que tudo isso faz parte de um caminho que estamos trilhando em direção a uma vida rica, mesmo quando estivermos solitários ou muito idosos.

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