PEQUENOS ABANDONOS
- Faz de conta que
não existe nada, que tudo aquilo que a gente vê lá fora está longe demais. Não
é tanta mentira assim!
Levantou. Foi como
se fosse trocar um disco, mas desviou da vitrola e se encaminhou para a estante
de livros. Também não procurou nenhum livro. Apanhou, isso sim, um cigarro.
Acendeu.
- Não... não sou
tão alienado assim - continuou - Não me olhe com esse olhar reprovador!
- Não estava
pensando nada - disse ela - não estou reprovando nada! Acho que você até tem
razão quando diz isso!
Ele levantou.
Tomou o cigarro das mãos dela e deu uma tragada. Soltou a fumaça para o outro
lado. Trouxe o cinzeiro e sentou-se na cama.
Ela acendeu um
outro cigarro. Sentou-se também. Pausa.
- Você vê esse
olhar reprovador em tudo - disse ela com o cigarro pelo meio.
- E o que você
está fazendo agora? Por acaso não está me chamando de paranoico? Ou reprovando
minha atitude?
- Sua conduta está
intolerável. Você está nervoso demais para o meu gosto. Vou abandoná-lo.
- Claro que vai,
eu também não te suporto mais - disse ele e saiu.
Fechou a porta
delicadamente. Não fez maiores dramas, não havia razão. Ela é uma ótima mulher,
mas o que se pode fazer - pensou. Desceu no elevador. É impossível suportar uma
relação em que a paixão se escasseia e dá lugar àquela
intimidade perturbadora.
Aquela intimidade quase que inquisitiva, Calada. Alguma coisa está sobrando.
Chegou à rua.
Havia algum tempo
que os dois estavam se sobrando.
Caminhou a
Figueiredo Magalhães até a praia. Atravessou com cuidado as duas pistas da
Avenida Atlântica. Tomou o caminho do Posto 6. Não via ninguém. Parou para ver
a pelada na praia, em frente à Constante Ramos. Sentou-se na calçada com os pés
na areia. Reparou no número 6 com a camisa do Botafogo, quando ele matou a bola
no peito, deixou-a escorrer pelo corpo, enquanto olhava a colocação da equipe,
deu uma esticada em diagonal para o ponta-direita, que emendou de primeira, mas
isolou a bola. Gostou do número 6, passou a torcer pelo time dele.
Não ficou ali por
muito tempo. Caminhou pela Constante Ramos até chegar na Avenida. Muita gente.
Compras de Natal.
- O Natal chegou
mais cedo. Sempre mais cedo. Cada vez mais cedo.
Talvez devesse
procurar alguém. Mas para que chatear alguém com histórias de romance na tarde.
Optou por não importunar. Talvez esteja passando um bom filme no Copacabana! Ou
no Art-Palácio, ou no Metro - não o Metro demoliram - ou uma boa reprise no
Jóia.
No Copacabana
estava passando uma porno-chanchada. No Art, um filme de ilha. Detesto filme de
ilha! - pensou - é horrível ver pessoas numa ilha quando se está é em
Copacabana mesmo. Pois é, o ruído da rua atesta. No Jóia - Gritos e Sussurros -
Não! Pela terceira vez, e hoje, não!
Desistiu do
cinema. Subiu a Santa Clara, entrou na Modern Sound. Não demorou: é duro ver
tanto disco importado quando não se tem grana nem prá comprar nacional! -
refletiu. . Continuou subindo a Santa Clara, atravessou a Toneleros, entrou na
galeria que dá no Bairro do Peixoto. Sentou na praça, num banco.
Queixo apoiado na
mão, cotovelo no joelho, pé fincado no chão. Levantou. Atravessou a praça,
continuou pela rua em frente, rapidamente. Virou à direita. Caminhou
apressadamente.
Entrou no
edifício. Subiu no elevador. Abriu a porta com a chave. Encontrou-a no quarto
fumando - quem sabe - ainda o mesmo cigarro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário