UM VULTO NO MAR
Era uma vez e
ainda menino, numa cidade do interior, quando Habib um vendedor na feira, de
cabelos negros, olhos arregalados e rosto de árabe, oferecia umas caixinhas
coloridas.
- O que está à
venda? – perguntei.
- Ilusões...
cada caixa tem uma bolinha açucarada e colorida. Trazem lindos sonhos.
Não era caro e
comprei, tomando uma para adormecer mais tarde. O que vi então foi
inexplicável. Uma linda mulher saindo do marulhar das ondas, com um andar
sereno e a silhueta reverberada pela luz do fim da tarde, que ofuscava seu
corpo quase nu. Vinha sacudida por arrepios provocados pelas carícias das
águas. Fiquei extasiado e de repente acordei daquele mundo que não imaginava
fantástico mas real.
A partir dali
Habib desapareceu e nem consegui retomar aquela aparição que me envolveu para
sempre em paixão, ternura e saudade.
Algumas décadas
após, adulto, agora no litoral, encontrei Habib novamente. Ele estava pescando
e tinha já os olhos amortecidos, cabelos inteiramente brancos, a barba por
fazer, o semblante cerrado e abatido como nunca.
- Sente-se aí,
disse ele.
- E o senhor...
ainda tem aquelas bolinhas. Eu vi uma mulher...
- Não, meu
filho. Mas não fique triste, pois tomei muitas e devo lhe dizer que a maior
ilusão não é o sonho, porém a vida. Também a vi como você me disse tê-la visto.
Ele parecia
alheio, com os olhos fixos no horizonte até onde o céu se encontrava com o mar.
- Aconteceu
alguma coisa?
- Aconteceu sim.
O tempo passou e com ele a vida que, como lhe disse, é a maior de todas as
ilusões.
E prosseguiu me
contando.
- De lá para cá,
meu jovem, passei grande parte dos dias aqui pescando. Mas só tenho um
desejo...
Então, com um
acento de melancolia que não conseguiu ocultar...
- Pegar aquela
sereia, sem o que, tão iludido pela vida, não conseguirei mais viver...
Quando olhei,
quase que num instantâneo, para o lado, me espantei em calafrios pois não havia
ninguém mais ali e nem nas proximidades da praia. Fui embora meditando e
pensando mesmo que as pessoas devem lutar por um projeto e não apenas viver o
presente, ainda que desapareça a perspectiva do futuro. O que seria de nós sem
o sonho ou a expectativa que pode nos alimentar a alma? Como viveríamos ao
sabor da rotina, sem que nunca pudéssemos esperar alguma sereia na beira-mar
dos devaneios?
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