segunda-feira, 21 de setembro de 2015

UM VULTO NO MAR - Conto de Marcelo Meira (Rio de Janeiro, RJ)

UM VULTO NO MAR

Era uma vez e ainda menino, numa cidade do interior, quando Habib um vendedor na feira, de cabelos negros, olhos arregalados e rosto de árabe, oferecia umas caixinhas coloridas.
- O que está à venda? – perguntei.
- Ilusões... cada caixa tem uma bolinha açucarada e colorida. Trazem lindos sonhos.
Não era caro e comprei, tomando uma para adormecer mais tarde. O que vi então foi inexplicável. Uma linda mulher saindo do marulhar das ondas, com um andar sereno e a silhueta reverberada pela luz do fim da tarde, que ofuscava seu corpo quase nu. Vinha sacudida por arrepios provocados pelas carícias das águas. Fiquei extasiado e de repente acordei daquele mundo que não imaginava fantástico mas real.
A partir dali Habib desapareceu e nem consegui retomar aquela aparição que me envolveu para sempre em paixão, ternura e saudade.
Algumas décadas após, adulto, agora no litoral, encontrei Habib novamente. Ele estava pescando e tinha já os olhos amortecidos, cabelos inteiramente brancos, a barba por fazer, o semblante cerrado e abatido como nunca.
- Sente-se aí, disse ele.
- E o senhor... ainda tem aquelas bolinhas. Eu vi uma mulher...
- Não, meu filho. Mas não fique triste, pois tomei muitas e devo lhe dizer que a maior ilusão não é o sonho, porém a vida. Também a vi como você me disse tê-la visto.
Ele parecia alheio, com os olhos fixos no horizonte até onde o céu se encontrava com o mar.
- Aconteceu alguma coisa?
- Aconteceu sim. O tempo passou e com ele a vida que, como lhe disse, é a maior de todas as ilusões.
E prosseguiu me contando.
- De lá para cá, meu jovem, passei grande parte dos dias aqui pescando. Mas só tenho um desejo...
Então, com um acento de melancolia que não conseguiu ocultar...
- Pegar aquela sereia, sem o que, tão iludido pela vida, não conseguirei mais viver...

Quando olhei, quase que num instantâneo, para o lado, me espantei em calafrios pois não havia ninguém mais ali e nem nas proximidades da praia. Fui embora meditando e pensando mesmo que as pessoas devem lutar por um projeto e não apenas viver o presente, ainda que desapareça a perspectiva do futuro. O que seria de nós sem o sonho ou a expectativa que pode nos alimentar a alma? Como viveríamos ao sabor da rotina, sem que nunca pudéssemos esperar alguma sereia na beira-mar dos devaneios?

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