O ÚLTIMO MASCATE
Em um entardecer
para fora, ouvi o barulho longínquo das rodas arrastadas de uma carroça, vi ao
longe o vagar do cavalo e o chapéu preto e de abas largas do seu cocheiro, em
pé. Cada vez mais se aproximava atiçando a cuscama, cruzou a porteira, as
casuarinas, vinha com rumo certo, ao passar pela varanda da casa cumprimentou
com uma leve levantada na aba do chapéu e do galpão a voz do capataz: -O
mascate!
Mascate?
Mascates apareciam quando eu era criança, era raro, mas ele vinha e vinha
carregado de pequenezas inúteis que ganhavam ares de formosura no fundo do
campo.
Corri com minha
irmã até a carroça, não estava cheia como nas minhas lembranças. Tinha cadeiras
de armar, panelas de ferro, aspirinas e meus olhos encantados deitados nas
mercadorias e nas mãos calejadas do comerciante dos bretes. O cheiro do fumo,
as palhas do palheiro, as pitocas enfiadas em bainhas novas, cheiro de couro, e
um destoante e cafona tapete zebrado que por um triz não desmanchou meu
encanto.
Chamei meus
filhos que se aproximaram sem ver nada de mais naquele homem com sua carroça de
bugigangas e antes que corressem de volta para a garupa dos seus cavalos
mansos, pedi que voltassem mais uma vez, eles não obedeceram. Eu ainda
gritei:" filhos é um mascate, o último mascate que vocês verão na
vida". O mascate sorriu, devolvi o sorriso, meus filhos ignoraram meu
apelo e o homem se enfiou pela noite que se pronunciava, rumo a não sei onde.
Vi sua carroça avermelhando pelo sol, sumindo na dobra dos eucaliptos. A visão
do último mascate se embrenhou com minha infância inteira embaixo dos meus
lençóis. O tempo às vezes acena dizendo que ainda existe uma réstia de poesia
na vida que avança incansável.
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