segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O ÚLTIMO MASCATE - Conto de Valéria Surreaux (Uruguaiana, RS)

O ÚLTIMO MASCATE

Em um entardecer para fora, ouvi o barulho longínquo das rodas arrastadas de uma carroça, vi ao longe o vagar do cavalo e o chapéu preto e de abas largas do seu cocheiro, em pé. Cada vez mais se aproximava atiçando a cuscama, cruzou a porteira, as casuarinas, vinha com rumo certo, ao passar pela varanda da casa cumprimentou com uma leve levantada na aba do chapéu e do galpão a voz do capataz: -O mascate!
Mascate? Mascates apareciam quando eu era criança, era raro, mas ele vinha e vinha carregado de pequenezas inúteis que ganhavam ares de formosura no fundo do campo.
Corri com minha irmã até a carroça, não estava cheia como nas minhas lembranças. Tinha cadeiras de armar, panelas de ferro, aspirinas e meus olhos encantados deitados nas mercadorias e nas mãos calejadas do comerciante dos bretes. O cheiro do fumo, as palhas do palheiro, as pitocas enfiadas em bainhas novas, cheiro de couro, e um destoante e cafona tapete zebrado que por um triz não desmanchou meu encanto.
Chamei meus filhos que se aproximaram sem ver nada de mais naquele homem com sua carroça de bugigangas e antes que corressem de volta para a garupa dos seus cavalos mansos, pedi que voltassem mais uma vez, eles não obedeceram. Eu ainda gritei:" filhos é um mascate, o último mascate que vocês verão na vida". O mascate sorriu, devolvi o sorriso, meus filhos ignoraram meu apelo e o homem se enfiou pela noite que se pronunciava, rumo a não sei onde. Vi sua carroça avermelhando pelo sol, sumindo na dobra dos eucaliptos. A visão do último mascate se embrenhou com minha infância inteira embaixo dos meus lençóis. O tempo às vezes acena dizendo que ainda existe uma réstia de poesia na vida que avança incansável.

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