segunda-feira, 5 de outubro de 2015

NINGUÉM ESCAPA - Crônica de Marga Cendón - (Uruguaiana, RS)

NINGUÉM ESCAPA

A mocinha da loja dirigiu-se a mim com um sorriso inocente: “a senhora está procurando alguma coisa especial?” Olhei para os dois lados e para trás. Ninguém.
Num primeiro momento pensei em sair e entrar de novo. Depois, em sair e nunca mais voltar. Pensei até em perguntar: “isso é comigo?”. Mas apenas retribuí o sorriso e com a voz abafada respondi: “Só estou dando uma olhadinha, se precisar eu chamo”. Foi tudo que me ocorreu para afasta-la. Precisava ficar sozinha, recuperar o fôlego e engolir o que acabara de deixar por terra a visão que eu tinha de mim até então.
“Senhora”, eu?! 
As pernas pesaram, os braços caíram, e minha imagem encolheu-se diante do enorme espelho da loja. Estabeleceu-se um impasse e minha identidade corria sério risco.  
Imediatamente trouxe à memória situações semelhantes relatadas por amigas e duas ou três crônicas que eu havia lido sobre o mesmo assunto e que, na ocasião, me pareceu um descabimento. Achei que quando chegasse minha vez eu tiraria de letra sem o menor drama. Mas não foi bem assim. Eu ainda não estava preparada.
Sai disfarçadamente sem comprar nada e fiquei andando pelas ruas para assimilar o trem que acabara de me atropelar.

Mais tarde e já mais calma, entrei num café, chamei o garçom e antes que ele abrisse a boca fui logo dizendo: “moço, por favor, um carioca duplo”. De moço ele não tinha nada. E, juro, minha vontade foi pedir uma vodca.

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