NINGUÉM ESCAPA
A mocinha da loja dirigiu-se a
mim com um sorriso inocente: “a senhora está procurando alguma coisa especial?”
Olhei para os dois lados e para trás. Ninguém.
Num primeiro momento pensei em
sair e entrar de novo. Depois, em sair e nunca mais voltar. Pensei até em
perguntar: “isso é comigo?”. Mas apenas retribuí o sorriso e com a voz abafada
respondi: “Só estou dando uma olhadinha, se precisar eu chamo”. Foi tudo que me
ocorreu para afasta-la. Precisava ficar sozinha, recuperar o fôlego e engolir o
que acabara de deixar por terra a visão que eu tinha de mim até então.
“Senhora”, eu?!
As pernas pesaram, os braços
caíram, e minha imagem encolheu-se diante do enorme espelho da loja. Estabeleceu-se
um impasse e minha identidade corria sério risco.
Imediatamente trouxe à memória
situações semelhantes relatadas por amigas e duas ou três crônicas que eu havia
lido sobre o mesmo assunto e que, na ocasião, me pareceu um descabimento. Achei
que quando chegasse minha vez eu tiraria de letra sem o menor drama. Mas não
foi bem assim. Eu ainda não estava preparada.
Sai disfarçadamente sem comprar
nada e fiquei andando pelas ruas para assimilar o trem que acabara de me
atropelar.
Mais tarde e já mais calma, entrei
num café, chamei o garçom e antes que ele abrisse a boca fui logo dizendo:
“moço, por favor, um carioca duplo”. De moço ele não tinha nada. E, juro, minha
vontade foi pedir uma vodca.
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