sábado, 28 de novembro de 2015

FUMAÇAS DE LILITH - Conto de M. Luiza Bueno Benevides (Brasília, DF)

FUMAÇAS DE LILITH

Eu estava na varanda, fumando ao ar livre o meu cigarro maldito, quando embaixo, na rua, um casal vindo de mãos dadas rumo à feira, entre tantas pessoas e carros estacionados, chamou-me a atenção.

À direita e à frente, tinham, à igual distância, a benigna sombra que o prédio, em frente, faz sobre a rua ao sol. O rapaz, querendo mudar para o outro lado da rua, puxou a mulher pela mão de maneira abrupta, forte, autoritária, impondo sua vontade sobre a dela. Naquele momento em que se dirigia, serenamente acompanhada, àquela feira vespertina, tão famosa na cidade, a forma como fora puxada pelo companheiro magoara-lhe o braço e o prumo.

Discutiram o caminho. O rapaz, tendo segura sua mão, quer ainda atravessar a rua. Observo que, no ponto em que estavam não fazia muita diferença como alcançariam a sombra do prédio, se pela frente como seguiam ou se pela outra calçada. No entanto, era evidente que, para a moça, o que fazia diferença era a forma de ser conduzida pela mão. Com carinho, com exclusividade, não com sujeição. A força do homem sobre
a disposição confiante e distraída do seu corpo humilhara a mulher.

Repentinamente, uma rusga de casal à minha frente, como prato quente ao sabor das minhas reflexões saturninas... A maneira irritada com que a moça balançou a cabeça, e, com determinação, retirou sua mão da dele e seguiu resoluta à frente, me lembrou antigos personagens.

– Sempre a prepotência masculina ...
– Sempre o grande ódio feminino à sujeição...

Fosse eu aquela moça, lágrimas negras já borbulhariam nos meus olhos, teria seca a garganta e, do peito grandes dores ancestrais me teriam cegado a razão e o bom senso.

Vendo que ela seguindo em frente não o obedecia, o rapaz ficou no meio do caminho, indeciso, sem a posse da mulher e sem mais vontade de atravessar a rua. Pelo meio da pista seguiu a companheira que, adiante, teve interrompido o caminho por carros estacionados em cima da calçada. Este trecho da Rua 10 se lota com o público da feira do sábado.

Rápido, o rapaz aproximou-se da moça. Tão longe, não lhes pude ver o semblante. Sei que deram alguns passos lado a lado. Reconciliados, o homem abraçou os ombros da mulher, firme, meigo, cativado.

À força delicada dos homens, o brinde da mulher! À força DELICADA, entendam bem.

Abraçados, enfim já próximos das primeiras barraquinhas, atravessaram a rua e seguiram à sombra. Quase já se confundiam entre as outras pessoas na calçada movimentada, quando o rapaz, repentinamente, virou a cabeça para trás e olhou direto para mim. 


– Meu Deus! Tão longe, tão alto, no sétimo andar, na esquina oposta à feira, pega em flagrante a minha curiosidade. E, com metafísica, ao contrário da pessoa em frente à Tabacaria, enquanto me esgueirava pela porta, terminei o cigarro.

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