IMPRESSÕES
DE UM SONHO QUE EXISTIU
Tento
dizer algo sobre você à mim mesmo mas tudo que encontro são palavras mescladas
com imagens lembranças, flashes de sensações, lapsos de uma noite levada pelas ondas,
escondida sob a areia .Talvez a tentativa fosse de se conformar com tudo que
aconteceu tentando, repito, tentando virar a página daquela noite cuja Lua
conspirou para que meus lábios se atracassem nos teus, para que meus olhos com
seus cílios raspassem nos teus e continuassem como um pincel no teu pescoço,
pintando seu colo com matizes e vernizes que viraram segredos na palheta de
nossas memórias cúmplices, na tela daquela noite eterna cuja única testemunha é
uma tartaruga insólita que veio dar na praia, tirando um leve sorriso dos
nossos rostos grudados....Eu quero mas preciso convencer-me da realidade de
algumas muitas, poucas, horas nas quais brincamos de atores de Cortázar em um
Jogo de Amarelinha...
Disse
em teu ouvido poesias tiradas de experiências de outros tempos e você riu da
minhas palavras que não se usam mais, olhou meu rosto sério ao pensar nas
possibilidades dos acontecimentos dos tempos, do jogo caótico de amarelinha a
ser desencadeada por um beijo em tua boca, pelo sequestro de sua língua, da
garrafa de Porto que foi esvaziada nesta mesma boca, dando aos nossos beijos
ébrios um ar de coisa profana, deitados pelo chão, eu sobre ti, você sobre mim,
deitados não... rolando...de um lado a outro...não lembro bem quando o beijo
começou, nem quando terminou, assim como um sonho sem antes nem porquês, um
jogo onírico no qual voava pra longe da terra e de minha vida real tão repleta
de pequenos problemas, plena de grãos de areias que emperram grandes
engrenagens de
projetos que não se executarão, impressões ruins levadas longe
pelo toque do teu corpo...
Como
num sonho acordei sozinho em minha cama, abalado pelo vazio das sensações dos
sonhos que acabam, dos livros que se fecham após a segunda página, das
histórias que terminam sem final, das bocas que se separam levando aos olhos um
sentimento de melancolia...
Acordei
sozinho. Como piada de fauno, olhei no espelho sem me reconhecer, fitei
longamente meus olhos que há poucas horas só fitavam o teu olhar castanho...
Tentando sem sucesso com as mãos baixar os poucos fios de cabelo ainda com a
sensação mágica dos teus dedos por dentre eles, a camisa entreaberta exatamente
no espaço onde recostava sua cabeça e suspirava segredos de menina que jamais
vou entender...Esta manhã sou uma imagem fossilizada da noite passada, apenas
com as impressões marcadas da sua existência...sei que fiquei horas imóveis
sentado na cama, olhando para os espelho e ao fechar os olhos movido pelo sono
da noite não dormida, os mesmos olhos fechados voltavam a ver os contornos dos
teus ombros, os segredos displicentes do teu decote, pernas, braços, nuca e
todos aqueles espaços infinitos do tempo duma noite, que como imagens dum
caleidoscópio mágico, tentam reconfigurar sem muita clareza a existência das
horas passadas...
Penso
em você e confundo a nossa noite com poesias de Neruda, confundo os nossos
tempos com os tempos que nunca tive, confundo meu olhar no espelho, nos olhos
que se confundiram com os teus, confundo tudo e me confundo nos restos dos dois
espalhados pela manhã, no teu cheiro em minha roupa, no fio de cabelo que ficou
preso em minha camisa como uma corda de cabo de guerra do jogo sem vencedores
que ambos perdemos ao nascer do dia, agora você dorme, a boca que era minha
agora pende entreaberta num suspiro, os olhos infinitos fechados movem-se
denunciando os sonhos que eu aqui como voyeur imaginário queria descobrir,
entrar nos teu sonhos e conhecer os teus desejos, para que, na próxima
madrugada infinita, será que existirá, se é que existiu, poder assim os
realizar. Caio na cama e vencido pelo cansaço tento ainda escavar na memória
recente os traços da noite passada, mas meus tempos me vencem, fico imóvel e
adormeço na esperança do sonho recomeçar...
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