O
VELHO
O
Velho levantou cedo. Sempre fora madrugador, colocou água para esquentar e
preparou o chimarrão. Mateava solito com seus pesares, longos mates nas
intermináveis manhãs. O Velho estava acostumado com a solidão e os mesmos
silêncios de todos os dias de sempre.
Eram
poucos os ruídos em sua casa: o chiar da chaleira, o ronco do mate, o ronronar
do gato e os latidos de um vira-lata no quintal. O gato e o cachorro eram as
companhias do Velho e tumultuavam suas manhãs. Enquanto preparava o almoço –
arroz, feijão, carne grelhada e salada – o Velho ouvia o rádio. Era nesse
instante que se mantinha informado do que ocorria no mundo. À tarde o velho
fazia longas caminhadas. Essa era rotina de um solitário e discreto velho. Um
ancião com poucos amigos e pouca prosa. Conhecido, apenas, por Velho, o morador
mais antigo da rua.
Seus
dois filhos, João e Pedro, foram embora para a capital e já faz um bom tempo, a
esposa, acometida por uma grave enfermidade, falecera poucos meses após a
partida dos filhos. Assim, a sua principal companhia dos últimos vinte anos era
a solidão repleta de silêncios. Acostumou-se a viver num exílio em sua própria
casa. Isolado em meio ao alvoroço da vizinhança. Recluso em sua nostalgia.
Certa feita, não reconheceu a própria voz ao xingar o cusco.
Os
filhos visitavam o Velho no Natal e em algum feriado prolongado, mas nos
últimos dois finais de ano o Velho passou a virada sozinho. Nesses dias o ronco
do mate era melancólico. Semana passada recebera dos filhos um
cartão de “feliz
ano novo”. O Joao, o filho solteiro, mandou um cartãozinho simplesmente
assinado e Pedro uma breve carta com a figurinha do Papai Noel assinada pelos
filhos. O Velho nem se deu conta que no bilhete de Pedro faltou a assinatura da
esposa Matilde. Mais um Natal que passaria solitário na companhia do gato e do
cachorro vira-latas. Ao abrir a correspondência dos filhos não deixou de
recordar quando ele era o Papai Noel das crianças do bairro. Em outros tempos
com os filhos ainda criança era ele que organizava as fogueiras de São João, os
Natais dos pobres e presentes para gurizada em outubro. A esposa era uma
parceira inseparável nas ações solidárias do Velho. Naqueles tempos de convívio
familiar e solidariedade o Velho tinha um nome e era uma pessoa popular no
bairro. Mas após todos esses anos era apenas, o Velho, e se contentava com
isso. Ele não precisava de nome e sobrenome.
Nas
últimas semanas o Velho estava acabrunhado. Sentia-se abandonado. O gato, o
cachorro e o chimarrão já não preenchiam o marasmo do dia. O Velho não estava
suportando a exagerada dose de infelicidade proporcionada pela solidão.
Na
noite de 24 de dezembro o Velho resolveu armar a árvore para homenagear o
menino Jesus. Arrumou o pinheirinho num canto da sala e colocou uma bola
vermelha e outra amarela nos galhos mais embaixo. E ficou ali contemplando a
sua árvore de Natal.
–
Estou perdendo a peleia para a solidão, não sei se aguento até o próximo Natal
– murmurou acariciando o gato ao seu lado no sofá.
À
noite serviu a ração dos animais e preparou uma torrada de pão integral e um
copo de suco de uva. Essa foi a ceia do Velho. Às 10 horas da noite a janta do
Velho já estava feita. Apagou as luzes da casa, pôs uma cadeira no pátio e
ficou em busca de uma estrela guia. Rememorando outros Natais.
Na
manhã seguinte a rotina seria a mesma. Aquecer a água para o chimarrão e
alimentar os bichos. Para o almoço faria um carreteiro no capricho e abriria
uma garrafa de vinho. Meia garrafa seria suficiente para fazê-lo dormir a tarde
toda. “Quem sabe dormir para sempre”, pensou.
Mas
um barulho de carro em frente a casa chamou atenção do Velho. Um táxi. E
desembarcaram o filho Pedro e os dois netos. O Velho sorriu – então lembrou que
fazia tempo que não sorria – e quase chorou, mas homem não chora e enxugou uma
incipiente lágrima.
Sentaram-se
na cozinha, um antigo costume da família, e o Velho ofereceu um chimarrão ao
filho. Os quatro na cozinha colocando a conversa em dia. Os dois guris já
estavam crescidos.
–
Dois homenzinhos – falou o Velho e alcançou a cuia para o filho Pedro.
–
O mais velho vai para a oitava série e o mais novo para sexta.
–
E a Matilde? Não quis vir?
–
A Matilde nos abandonou. Fugiu de casa e foi morar na serra, faz seis meses que
não tenho notícias dela.
–
Os guris tomam chimarrão?
–
Nunca tomaram. Nem sabem o que é mate.
Então,
o Velho alcançou a cuia do chimarrão para um dos guris. E sorriu. Naquele
momento percebeu que tinha vencido a peleia com a solidão.
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