quinta-feira, 26 de novembro de 2015

PERDA DE TEMPO - Crônica de Valéria Surreaux (Uruguaiana, RS)

PERDA DE TEMPO

Entramos Uruguai adentro, com destino certo e num ímpeto aventureiro que me acomete mais vezes que deveria sugeri desviarmos o caminho e entrarmos em Montevidéu. O pessoal estava com pressa, mas acomodada na extrema intimidade que me da a permissão para ser chata, insisti.

“Pra que perder tempo?” – perguntavam. Eu repetia que não existia isso de perder tempo, só no caso de estarmos apostando uma corrida a dinheiro e pararmos para amarrar o tênis, se não for algo semelhante a isso, como tirar o pai da forca, tudo é tempo ganho.

 Eu dei as dicas afirmando conhecer bem o caminho. Passaríamos por uma avenida e sairíamos na estrada. Corajosamente, ignoraram minha idiotice geográfica e acreditaram em mim. Fomos parar em um arrabalde sensacional. Fiquei fascinada: cachorros enormes de carona com o dono em cima de uma moto. Um mendigo tocando flauta tão bem quanto eu. Um varal mais alto que um caminhão atravessando a rua sustentando camisas desbotadas, cuecas, sutiãs enormes e lençóis que voavam ao vento morno. Crianças ranhentas rolando na poeira com cuscos sarnentos.

“Onde estamos que não acho a tal estrada? Olha o tempo que estamos perdendo!”

Meus olhos de Poliana deslumbrados com
latas velhas, capôs de carros inúteis, tampas enferrujadas de maquinas de lavar roupas com anúncios de “Dueño vende”.

Guriazinhas dadeiras mostrando as pernas aos pedreiros suados. Sofás com molas saltando na calçada, velhos tomando mate doce sob o sol inclemente.

“Estamos andando a mais de uma hora neste inferno!”

Casas abandonadas com marcas de incêndio. Taperas tapadas de hera.

“Vendo leche de cabra”.

Namorados se beijando nas sombras das árvores, mãos inquietas, desbravadoras. Caturritas voando baixo. Depois uma estrada nunca antes percorrida por mim, casas antigas, um gaiteiro solitário na porta, mulheres tirando água do poço.

 Chegamos ao anoitecer. Minha irmã já havia chegado há horas. A casa limpa, lençóis na cama, mesa posta, cervejinha gelando, mate pronto, banho tomado.


 Quando sentamos, ela não tinha muita história para contar. Tempo perdido.

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