VESTÍGIOS
O Paraíso se
refaz ao primeiro sopro do alvorecer. Se pudesse descrever esse lugar assim
seria: qualquer coisa entranhada no pampa. Aquela superfície verde, tão grande
quanto a esperança e a liberdade. Vivo aqui, onde, ao reabrir a janela a cada
manhã, vejo a paisagem que amanhece molhada pelo sereno da noite e acena com
uma réstia de poesia que se alastra em uma lânguida espiral de luminosidade.
No inverno,
surge como um xale branco vitrificado e quebradiço a cobrir os campos e o
pastiçal. Quando a primavera chega, é tempo de acordar cedinho. Afasto as
cortinas e, através da varanda, vejo surgir as primeiras luzes do dia que, aos
poucos espalha sobre a coxilha uma nuance dourada, cor da aurora, que aos poucos
toma conta de tudo e desperta a vida. Durante a travessia de meu olhar, me
encanta a mistura do verde e do azul, o cheiro da água e o capim surgindo com a
transparência.
Olho aquela
nesga do outro lado do rio e presto atenção no imenso céu calado sobre o
burburinho de vida que fervilha no pampa: canto de cigarras, pássaros que voam
de um lado para outro, garças pousadas nos córregos e as
ondulações que formam
extensas coxilhas, vales, campos cobertos de verde à exaustão, banhados
apinhados de flores, marrecos e um horizonte que se perde na distância.
Tento fazer um
poema que foge espantado pela revoada das andorinhas que agora rumam para o
sul. Resta, então, celebrar o voo dos bem-te-vis e ver ao longe, o amarelo dos
girassóis que neste ano floresceram mais cedo. O vento sempre chega ao final da
tarde em sinfonia com o silêncio e o Paraíso se refaz ao primeiro sopro do
entardecer.
Assim,
diariamente, através de largas janelas, a vista do pampa, do rio, das árvores
carregadas de ninhos e flores, lírios que dormem à sombra de uma figueira, me
transmitem a paz e a calma que respiro para ser feliz.
(inspirada na Casa do Paraíso de M.Cendón)
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