A TRANSGRESSÃO DO AMOR
Quando eu era criança a gente não falava de amor. Meus
pais eram muito ocupados para falar. Apenas sentiam. Sentir não tomava tempo.
Podia-se sentir, imaginar ou sonhar qualquer coisa enquanto se capinava uma
roça ou amassava uma fila de queijos. Também, para que falar de algo tão
difícil de dizer?
Então eu cresci e precisei aprender sozinha. Romântica
ao extremo, mas comedida por defesa, eu acreditava mais em sapos do que em
príncipes. O que me proporcionou muitos desencontros pela vida afora. Mas isso
não vem ao caso. O assunto em pauta é: o que é o amor para mim, para você, para
o João, para a Maria, os meus pais, o mendigo, a prostituta, o palhaço, o
padre, e até para a bailarina...?
O amor não dá mesmo para definir, cada um tem a sua
própria loucura... Você, eu não sei. Mas o João, quem sabe ama a Maria, que não
consegue esquecer o Pedro? Meus pais? Acho que me amam assim como ama toda a
sua numerosa prole, até a quarta geração, de onde espiam para trás à procura do
começo. O mendigo, com certeza ama sua liberdade. Ele sim sabe o que é o amor.
A prostituta ama o perfume daquele cara legal que a tratou bem num programa
inesquecível. O palhaço, decerto ama o sorriso das crianças que o faz esquecer
as suas próprias lágrimas borrando a pintura do seu rosto, logo após o
espetáculo. O padre?
Não sei quem o padre ama. Por certo, não são as beatas que o acompanham após a missa até a sacristia enquanto ele tira sua batina para sair apressado. Talvez ele ame o oculto desejo de amar. A bailarina... deve amar a sua pura e terna expressão de amor, na ponta da sapatilha, ao rodopiar na leveza de um suspiro arrancado das profundezas do seu coração.
Não sei quem o padre ama. Por certo, não são as beatas que o acompanham após a missa até a sacristia enquanto ele tira sua batina para sair apressado. Talvez ele ame o oculto desejo de amar. A bailarina... deve amar a sua pura e terna expressão de amor, na ponta da sapatilha, ao rodopiar na leveza de um suspiro arrancado das profundezas do seu coração.
Suposições, ainda que suposições, não explicam a
química do amor. Eu preferia acreditar que ele é apenas uma forma de se
aproximar sexos opostos para se copularem em prol da perpetuação da espécie
humana. Seria mais fácil.
Mas não há um só verso de um poema sequer que não
tenha experimentado a expressão desse sentimento, mesmo que o invoque pelo ódio
da sua ausência, perda ou dor.
Ele está ali, escondido nas minúcias do beijo do
beija-flor ou no brilho dos olhos da esperança e até num aceno de adeus.
Adeus! Eis a lógica do amor. Sempre haverá um adeus,
uma porta se fechando para sempre, sem saber que seria a última xícara de café,
o derradeiro entrelaçar de mãos perdido na magia do instante de um acaso ou a
última possibilidade de se ouvir juntos os pássaros cantando ao romper da
madrugada, homenageando esse tal de amor que não se explica na completude de
corpos despidos do mundo e envoltos pelo prazer de se dar.
O amor é essa complexa teia de sentimentos que
perfazem as mais diferentes razões, que vão do puro ao egoísta, do eterno ao
momentâneo, do ingênuo ao verdadeiro, do sonho à desilusão, da ternura à
paixão... e mesmo assim culmina sempre em um adeus. Em uma ou outra
circunstância transgride tudo que a ele se destina e apregoa. E depois parece
rir dessa dor que ele deixa em cada adeus.
Como explicar o amor?
“Mil anos viverei tentando
explicar o amor.
Impossível!
Morrerei sem respostas e,
com certeza, amando.”
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