sábado, 17 de outubro de 2015

CHEGADAS E PARTIDAS - Conto de Gilka Coimbra (Uruguaiana, RS)

CHEGADAS E PARTIDAS

Preciso ir, mas não sei bem se quero. Culpo a inércia que me invade e assume minhas decisões, orquestrando a vida minha como se fosse alheia. A minha. Tem tanto poder esse estado de apatia, que assume ser a protagonista maior, nunca a consequência, acessório simples de um momento. Racionalizo para me salvar e me perco. Simples assim. Culpa, há nisso? Medo. Uma ansiedade torturante me invade e recuo covardemente. Observo-o de longe sem que me veja. Do outro lado do vidro, a vida inteira à disposição de um só futuro. O meu, o nosso. Arrisco, e num gesto abrupto levo a mão à maçaneta e rompo o imobilismo que me assola. Pelo vão da porta aberta, atravessa o som da última chamada. Em pé, no saguão do aeroporto, ainda me espera. Apresso o passo e ele anda em frente, correspondendo à voz do embarque. Nem uma vez mais olha pra trás. Desistiu, desistiu… desistiu de mim, de nós. Chamo por ele, mas uma horda apressada se interpõe e, os vários portões internacionais dão vazão às viagens, a outras histórias e seus personagens. Abro a bolsa de mão para procurar o pequeno pedaço de papel onde anotei o número do voo e o local do embarque. Apresso o passo, já não o vejo mais. Caminho quase que na ponta dos pés, esgueirando-me dos grupos para avistá-lo por cima dos ombros da multidão que se multiplicam. Nada, não vejo mais nada. Devagarzinho, vazios cada vez maiores tomam conta do saguão. A maré de passantes turbulentos evapora-se. Ficamos eu e aqueles espaços ocos dentro e fora de mim, insuportáveis, carregados de arrependimento e saudade. Nada, não vejo mais nada, nem mesmo o vulto ao meu lado que baixinho me diz – Não consegui embarcar sem você. 

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