AS CONVERSAS EM
MESAS DE BAR EM QUE MUDÁVAMOS O MUNDO
As diferenças
entre as atuais conversas de bar e as conversas que muitos de nós, das gerações
pretéritas – anos setenta e oitenta -, entretínhamos, são enormes.
Mudanças que
ocorreram em um mundo em franca ebulição, em que se mostra relevante o impacto
da idade e a mudança de hábitos e modo de vida moderno.
Uma breve
contextualização. A vida moderna.
Hoje, comumente,
a conversa de bar, quando se dá entre homens mais velhos, meia idade (40 - 50 e
poucos), versa, quase que exclusivamente, em relação as mulheres conhecidas ou,
nem tanto, divide-se entre, as que comeram, as que atualmente comem, ou as que
estão em seu imaginário, para comer (algo estilo filme b – comédia - e a aí
comeu??)... a conversa se repete com variações nos mais diversos ambientes e
gêneros, agora as mulheres também comem com naturalidade, e repetem o mantra,
recheado de fantasias sobre academias e detalhes da nova forma de encarar a
vida, antes reprimida...
E nada muda,
mesmo em ditos lugares diferenciados tematicamente, ou mesmo com pessoas com
interesses diversos dos acima... aí muitas vezes piora... porque surge a
autoridade da informação rasa (internet jornais revistas) em contraste com a
evidente falta de cultura que sustente ou possa sustentar uma opinião – não
digo válida, porque todas as opiniões são válidas, até as mais disparatadas –
mas uma opinião que tenha alguma substancia, que agregue algo útil ao debate em
si mesmo, e que não seja útil apenas no
campo de estudo pato sociológico do
referido participante do diálogo.
E segue a
repetição no ambiente de trabalho, com pessoas acomodadas e pacatas,
solidificadas famílias ou nem tanto, muda apenas o lugar comum, o tema
alcançado pelas conversas.
...ou é o
cotidiano dos filhos, empregada, babá, colégio, doenças e médicos e, neste
círculo vicioso, não sobra tempo para mais nada e, neste caso, a ópera-vida é
apenas isto - sem resumo.
...ou é a apoteose,
tipo ostentação, para onde vou (primeira pessoa) neste feriado- férias, para
onde minha amiga, amigo, parente foi, teatro em Nova Iorque (Os Miseráveis),
Paris, Itália...pausa, retifico, agora a moda são países exóticos, fulana foi
para a República Tcheca, com a devida ênfase para que os incautos não confundam
com a antiga Tchecoslováquia, caso em que sobraria um sorriso de canto de boca
e a explicação de que faz muito tempo que houve a cisão deste país, etc...
As
superficialidades são muitas, mas nesta vida baseada em consumo, variam apenas
na forma, o conteúdo personalista resta sempre presente.
E aí, você que
gostava de conversar no bar, e tinha a musica “conversando no bar”
(interpretada pela Elis Regina) como representativa da multiplicidade da vida
acontecendo neste lugar – dali se via o mundo e este mundo era passado a limpo
e descortinado em suas facetas humanas, as mais diversas – e isso a cada
encontro, apenas em poucas horas de cerveja, discussões e risos, isso sem se
descuidar das necessárias festas, paixões e viagens.
Ainda lembro, e
quase escuto a melodia e a letra....e o motorneiro parava a orquestra um minuto
para me contar casos da campanha da Itália e de um tiro que ele não levou,
levei um susto imenso..., e lá ia o menino, com as histórias de vidas passadas
....e ali ficava também parte da minha... que no fundo do quintal morreu,
morria a cada dia, dos dias que vivi...
Neste passo,
resta apenas a parte final... cerveja que tomo hoje é, apenas em memória...
daqueles tempos.
Tempos em que a
vida efervescia de vida, e os rumos do mundo estavam ali a nossa frente, e a
cultura vinha dos livros, serena e criteriosamente escolhidos, bem como das
noticias dos jornais, das quais se perscrutava a lógica, pois a técnica de
transformar meias verdades em mentiras inteiras, sempre foi a essência da
manipulação deste jornalismo, que desde remotas eras é pago a preço de ouro e
tem inesgotáveis trinta dinheiros eternamente guardados...lugar onde muitos são
os Pilatos e poucos os arrependidos.
Mas este novo
caminho – a continuar nessa rota - não há de nos levar a salvação, não digo da
alma, que é algo que pode ser subjetivo para muitos, tanto na forma de
alcançá-la, como na substancia (etérea), mas da nossa existência como homens,
no simples traçado dos caminhos que ainda nos restam de vida... vida pulsante.
Pergunto, aonde
estão as crianças pelas quais lutávamos ...e a fome no mundo que nos atingia
como um soco... e a barbárie, que era sentida como algo presente, de forma
profunda e depressiva ...mas que também gerava reações e resistência, e
mudava... a nós e ao mundo.
Podemos apenas
vislumbrar agora, o novo mundo criado pela internet e pelas novas formas de
comunicação, abriram-se novas janelas, para todos, mas, banalizou-se a vida,
baratearam-se os sentimentos, não há choque - não há realidade palpável - as
imagens que valem muito, em face do excesso, e pela repetição, já não impactam
da mesma forma de antes, aonde havia o homem e o humano atrás da foto.
Agora, o impacto
nas nossas experiência efetivamente humanas, somente ocorre quando a realidade
bate a nossa porta, e aí a perplexidade, não sabemos mais lidar com isso, não
sabemos como fazer este resgate, ficamos prisioneiros dos aparatos eletrônicos
e sua desumanidade.
Realmente, tanto
se falou na desumanização, e escreveram-se tratados e teses, e ela chegou e nem
percebemos – algo assim – como a grande sacada de marketing de poucos anos
atrás – “e quando menos esperávamos o Natal chegou”... e chegou, e chegou
novamente, e ninguém viu ele/ela chegar.
Se houve algum
mérito desta massiva e exclusiva exposição, sem contraindicações e sem freios,
um deles, sem dúvida, foi a retirada do nosso imaginário de um certo temor
medieval, medo de monstros e sombras e escuro.
Hoje, até as
crianças riem dos nossos antigos filmes de terror, que nos angustiavam, mas, em
contrapartida, nada sentem no massacre, no cortar cabeças, membros, em se
infligir sofrimento e dor.
Há apenas
ficção, montagens técnicas e um roteiro saturado do bem contra o mal, do mal
contra o mal, isso desde que o lado certo, escolhido sem critério, mas adornado
com os devidos adereços e apelos que hora o caracterizam como o erigido como
vencedor, isso não importando o massacre ou a tortura, apenas a vitória, e ai
há mortes em profusão... algo comum.
E, nestes
epitáfios e mortes, aos poucos, incluo no obituário, parte da ingênua crença na
bondade humana, na repartição, na solidariedade.
Realmente, estes
filmes, agora, são reais demais, a realidade é virtual, não é de carne e osso e
alma, e ela é bruta e depende de som, de vozes fortes ou meigas, de reações
instintivas e de emoções fortes, de álcool e de fumo, e de estimulantes.
A aceleração da
vida atual se impregnou em nossos sentidos e emoções e atos, e a morte e a
condenação da morte, e a justificação dos métodos e dos escolhidos, passou ser
um lugar comum e incerto.
...uma pausa...
Os bares repetem
a vida.
É certo, ficamos
velhos e nesse caminho ao invés de agregarmos, perdemos muito de nossa
humanidade, nem todos os monstros ficaram para trás, pode ter chegado o tempo
de novamente voltarmos aos parques, de termos novamente voz ativa,
proporcionarmos sorrisos a quem as circunstâncias impõem perdas, em suma,
reunir forças para buscar sonhos, não no sentido piegas e pasteurizado da
palavra, mas na concretude da vida de todos, simples sonhos... sonhos de nossa
juventude nas conversas em mesas de bar, em que mudávamos o mundo.
É justamente
isto, é esta vida latente que reclama em todo nosso ser, em nosso sangue, em
nosso suor e em nossa angustia e que, talvez, baste apenas um convite para
trazê-la novamente para sentar em nossas cadeiras, e aí, com certeza, ela pegará
a nossa mão e nos levará aos cantos mais insuspeitos da cidade, e veremos
novamente as pessoas, sentiremos de outra forma o calor, ouviremos com outros
ouvidos os sons, compartilharemos os infortúnios e nossas mentes e corações
irão bater num compasso diferente, enlouquecidamente humano.
Maravilhoso texto sobre nosso "Admirável Mundo Novo" - parafraseando Aldous Huxley - onde o amor é algo revolucionário e a individualidade e a frieza dão o tom das relações cada vez mais superficiais. Onde as utopias cotidianas foram abandonadas em nome de um mundo cada vez mais egoísta e narcisista. John Lennon disse: "O Sonho Acabou". Sim, para muitos, acabaram-se os sonhos e as conversas de bar. Talvez eu seja uma criatura exótica: porque ainda acredito no sonho, na utopia cotidiana, no bem, no belo e na verdade. E nas conversas de bar.
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