PARA LER
MATEANDO
O campo
amanheceu vestido de prata, provocado pelo sereno grande que aos poucos vai
brilhando aos raios da aurora surgindo no horizonte. O campo florido e
enfeitado ondula com a brisa que nasce junto com o sol.
Sob meus braços
sinto a sensação fresca e macia da badana de capincho. O cavalo encilhado
"mosqueia" alguma mutuca madrugadora enquanto move-se trocando de
posição. Debruçado sobre os arreios, troco ideias com meu filho a respeito do
serviço que vamos realizar, enquanto esperamos o momento de montar e sair com
os campeiros para mais um dia de trabalho.
Olhando o
horizonte verde que se perde ondulado a minha frente penso, quantas vezes que
já repeti este momento em minha vida galponeira. Quantas vezes ao redor do fogo
do galpão, enquanto o mate passa de mão em mão e um costilhar de borrego pinga
graxa no fogo, comentamos serviços a fazer ou analisamos os já feitos.
Os esteios do
velho galpão são testemunhas de várias gerações que por aqui passaram, já
escutaram causos e lorotas de gauchadas e patacoadas, que na verdade são normais
no dia a dia das estâncias.
O espinilho
estala no fogo,
alguma brasa ascendendo um palheiro, o cheiro de fumaça, o
estrugir do mate, movimentos e sensações que transcendem ao tempo! Este é o
mesmo ambiente de meus ancestrais, lugar que me viu guri, conheceu o moço
recém-formado e cheio de ideias e vê agora o homem maduro que hoje sou.
Passei toda
minha vida no campo, convivendo com homens campeiros e trabalhadores, alguns
mais rudes que outros, mas, praticamente, todos meus amigos o que me dá muita
alegria e orgulho. Aqui vi animais nascerem crescerem, serem domados e
posteriormente fazerem parte de nosso cotidiano, transformam-se em nossos
amigos, eles nos conhecem, nos pressentem, nos carregam e são por nós cuidados
da mesma forma que as plantas, as árvores de sombra que nos rodeiam, os pomares
que nos dão frutos, os pássaros que cantam e voam ao nosso redor. Esse ambiente
é parte de nossa família, parte de nós, neste mundo mágico que é o campo, lugar
onde o racional e o irracional se entrelaçam, "terra, homem e animal"
(o triângulo amoroso), um elemento não vive sem o outro.
Vou desligando o
botão do devaneio e volto pouco a pouco à realidade. Volteio meu mouro, alço a
perna e saio troteando acompanhado por meu filho, penso que literalmente
troteia conosco o futuro da estância, a continuidade de meus antepassados.
No trote o
ranger dos arreios parece conversar comigo, parece dizer ou fazer preces que eu
acompanho agradecendo a Deus a vida que me deu. Agradeço os amigos que tenho, a
saúde dos que me rodeiam, a alegria do riso cristalino das netas e o colorido
de camperear por dentro da vida que Ele criou e nos legou.
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