segunda-feira, 12 de outubro de 2015

PARA LER MATEANDO - Crônica de Tunico Fagundes (Uruguaiana, RS)

PARA LER MATEANDO

O campo amanheceu vestido de prata, provocado pelo sereno grande que aos poucos vai brilhando aos raios da aurora surgindo no horizonte. O campo florido e enfeitado ondula com a brisa que nasce junto com o sol.

Sob meus braços sinto a sensação fresca e macia da badana de capincho. O cavalo encilhado "mosqueia" alguma mutuca madrugadora enquanto move-se trocando de posição. Debruçado sobre os arreios, troco ideias com meu filho a respeito do serviço que vamos realizar, enquanto esperamos o momento de montar e sair com os campeiros para mais um dia de trabalho.

Olhando o horizonte verde que se perde ondulado a minha frente penso, quantas vezes que já repeti este momento em minha vida galponeira. Quantas vezes ao redor do fogo do galpão, enquanto o mate passa de mão em mão e um costilhar de borrego pinga graxa no fogo, comentamos serviços a fazer ou analisamos os já feitos.

Os esteios do velho galpão são testemunhas de várias gerações que por aqui passaram, já escutaram causos e lorotas de gauchadas e patacoadas, que na verdade são normais no dia a dia das estâncias.

O espinilho estala no fogo,
alguma brasa ascendendo um palheiro, o cheiro de fumaça, o estrugir do mate, movimentos e sensações que transcendem ao tempo! Este é o mesmo ambiente de meus ancestrais, lugar que me viu guri, conheceu o moço recém-formado e cheio de ideias e vê agora o homem maduro que hoje sou.

Passei toda minha vida no campo, convivendo com homens campeiros e trabalhadores, alguns mais rudes que outros, mas, praticamente, todos meus amigos o que me dá muita alegria e orgulho. Aqui vi animais nascerem crescerem, serem domados e posteriormente fazerem parte de nosso cotidiano, transformam-se em nossos amigos, eles nos conhecem, nos pressentem, nos carregam e são por nós cuidados da mesma forma que as plantas, as árvores de sombra que nos rodeiam, os pomares que nos dão frutos, os pássaros que cantam e voam ao nosso redor. Esse ambiente é parte de nossa família, parte de nós, neste mundo mágico que é o campo, lugar onde o racional e o irracional se entrelaçam, "terra, homem e animal" (o triângulo amoroso), um elemento não vive sem o outro.

Vou desligando o botão do devaneio e volto pouco a pouco à realidade. Volteio meu mouro, alço a perna e saio troteando acompanhado por meu filho, penso que literalmente troteia conosco o futuro da estância, a continuidade de meus antepassados.


No trote o ranger dos arreios parece conversar comigo, parece dizer ou fazer preces que eu acompanho agradecendo a Deus a vida que me deu. Agradeço os amigos que tenho, a saúde dos que me rodeiam, a alegria do riso cristalino das netas e o colorido de camperear por dentro da vida que Ele criou e nos legou.

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