PELEIAS
Zeca Diablo
ajoelhou-se diante do córrego para matar a sede.
Vinha de uma
longa jornada de cavalgadas e peleias. No último combate contra as tropas de
Amaro Missioneiro – um Pica-pau das bandas de Santiago – havia sobrevivido por
conta de muita sorte. Nem sabia explicar como estava ali diante de uma límpida
água corrente. Seus companheiros de embate haviam sido mortos ou estavam
dispersos na pampa. Alguns se bandearam para o Uruguai na tentativa desesperada
de salvar a própria pele.
Sentia-se salvo
por aquelas paragens que mal conseguia decifrar por conta de uma noite montado
no tordilho. Naquele amanhecer avermelhado vislumbrou um capão de mato, uma
sombra para descanso e, quem sabe, uma água corrente para saciar a sede. Cavalo
e cavaleiro estavam exaustos.
Mas uma dúvida
corroia-lhe a mente. Quando fugira do embate, o irmão estava numa luta feroz de
adaga com Amaro Missioneiro. Ouviam-se os berros e tilintar das adagas no
entrevero – faíscas de ferro branco – e balas de espingarda quando perdera o
irmão de vista. Será que o velho João das Chilenas havia sido abatido pelos
capangas de Amaro? Ainda retumbava em seus ouvidos os balaços desferidos pelo
bando de Amaro Missioneiro e rogava aos céus por ainda estar vivo e ter
encontrado uma sanga para se refrescar da cansativa noite de fuga. A emboscada
dos chimangos havia exterminado as tropas de João das Chilenas.
Agora, Zeca
Diablo estava ali com o rosto no riacho, todo estropiado, sorvendo a água
límpida da sanga e sem saber por onde andava e o que sobrara da tropa dos
maragatos do irmão João das Chilenas. Acocorado na beira do riacho se
refrescava. Então sentiu um gelado cano de revólver na nuca. No reflexo da água
pode ver a cor do lenço branco do homem que apontava a arma.
– Tu és irmão do
corno João das Chilenas? Vire-se para ver o verdadeiro Diablo.
Zeca levantou
lentamente e encarou a figura de Amaro Missioneiro. Não teve muito tempo para
pensar. Nas peleias de 24 conversava-se pouco, se atirava bastante e se
degolava demais.
Um estrondo de
arma de fogo, novamente, zuniu em seu ouvido. Um silêncio no capão depois de
uma revoada de cardeais. Mais um gaúcho morto pela luta fratricida. Amaro
Missioneiro tomba sobre as águas do riacho com um tiro certeiro no peito. Cai
de costas alvorotando os lambaris.
– Nesses tempos
de peleias, tem que ter mais cuidado... Diablito – João das Chilenas falou
sorrindo.
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