domingo, 11 de outubro de 2015

DESAPEGO - Crônica de Valéria Surreaux (Uruguaiana, RS)

DESAPEGO

Não sou organizada, mas adoro limpeza. Não saio limpando a casa alucinadamente, aliás nem me movimento muito para isso, graças à Deus tenho a Vera há muitos anos que faz isso pra mim. Mas às vezes sou tomada por um surto assustador, abro gavetas, tiro tudo de dentro, limpo com pano encharcado no álcool e depois no amaciante.  As gavetas ficam cheirosas, seco a umidade na sacada, dobro todas as roupas, separo remédios  e coloco todos na mesma caixa. E a pior parte: abro as gavetas dos papéis, que desespero! Ali tem tudo: bulas de remédios, resultado de exames, provas das crianças de 2010. Desenhos, anotações, listas de supermercado, santinhos de vereadores e santinhos mesmo, com novenas atrás, fotografias, saquinhos de papelão, recibos antigos, contas de luz, moedas, um brinco sem par, chaveiro, óculos com aro quebrado... Mas por que raios eu não boto fora na hora o que não presta?  Não adianta, eu guardo e depois enlouqueço para por tudo no lixo.

A alma fica leve, parece que um peso saiu do quarto, da sala , do banheiro. Ah, sim, porque eu reluto muito em jogar no lixo os frascos de shampoos vazios que ficam no Box, e os hidratantes que acabaram, as acetonas, os condicionadores vencidos. Minha mania de guardar, guardar, guardar. Mas essas coisinhas eu até ponho fora sem maiores dramas.

Mas agora vou revelar uma espécie de tara que tenho, que bastante séria:  guardo caixas de sapatos, principalmente de botas, porque....puxa, são bonitas e eu sempre imagino que um dia precisarei delas para alguma coisa importante. Uma maquete para um trabalho do colégio das crianças, por exemplo, ou quem sabe para guardar meus lenços, echarpes... (nem lembro que tenho gavetas, as caixas me desmemorizam, me atraem, me idiotizam). Quando chega o dia de me desfazer de algumas, porque começam a atrapalhar o trânsito pelo closet, me dói.


Outra coisa que merecia um olhar atento de algum profissional é meu apego por nebulizadores estragados. Tenho uns onze ou doze, já que meus filhos sempre tiveram asma. Olho para aqueles aparelhinhos com um design tão bonitinho, faço menção de colocar no lixo e não me animo. Os verdinhos então, são os que mais me seduzem.

Sacolas de loja, tenho uma quantidade considerável, me parecem úteis demais. Talvez eu possa fazer uma mudança de casa só com a ajuda delas. Guardo muitas, não tenho mais espaço. De vidros vazios de perfume  eu consigo me desfazer, mas com dor, uma sensação estranha, opressiva.

Engraçada essa minha mania por pequenezas inúteis, esse apego esquisito. Porque vejam, minhas roupas eu dou com uma facilidade tremenda. Me desfaço sem o menor esforço, doo colares, blusas, casacões, lençóis, blazers , calças jeans... sem remorso, sorrindo. Depois nem penso mais, não me martirizo pelas generosas e largas doações.

Sou uma pessoa básica, jeans, camisetinha, alguns casacos, um pretinho, coringas aqui e ali e deu. Não preciso mais para me sentir a vontade em qualquer ocasião, mas tenho apego pelo que não preciso.

Já estamos caminhando para o final de outubro. Pouco mais de dois meses para acabar o ano. Está mais do que na hora de eu me desfazer de tudo o que não me é útil, que não me faz bem, que não me deixa feliz. Vale para o que trago dentro também. Mágoas antigas não me servem, pensamentos ruins, medos sem sustentação, paralisia, tudo que atravanca minha vida.

Amanhã mesmo começo uma faxina na alma, demora tempo, mas final de dezembro estarei mais leve. Vou me desfazer de tudo que  está sobrando, até desses dois quilos a mais.


Os nebulizadores deixo para depois. Preciso pensar um pouco. Porque vocês hão de concordar comigo: mudanças drásticas não são assim da noite para o dia.

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