DESAPEGO
Não sou
organizada, mas adoro limpeza. Não saio limpando a casa alucinadamente, aliás
nem me movimento muito para isso, graças à Deus tenho a Vera há muitos anos que
faz isso pra mim. Mas às vezes sou tomada por um surto assustador, abro
gavetas, tiro tudo de dentro, limpo com pano encharcado no álcool e depois no
amaciante. As gavetas ficam cheirosas,
seco a umidade na sacada, dobro todas as roupas, separo remédios e coloco todos na mesma caixa. E a pior
parte: abro as gavetas dos papéis, que desespero! Ali tem tudo: bulas de
remédios, resultado de exames, provas das crianças de 2010. Desenhos,
anotações, listas de supermercado, santinhos de vereadores e santinhos mesmo, com
novenas atrás, fotografias, saquinhos de papelão, recibos antigos, contas de
luz, moedas, um brinco sem par, chaveiro, óculos com aro quebrado... Mas por
que raios eu não boto fora na hora o que não presta? Não adianta, eu guardo e depois enlouqueço para
por tudo no lixo.
A alma fica
leve, parece que um peso saiu do quarto, da sala , do banheiro. Ah, sim, porque
eu reluto muito em jogar no lixo os frascos de shampoos vazios que ficam no
Box, e os hidratantes que acabaram, as acetonas, os condicionadores vencidos.
Minha mania de guardar, guardar, guardar. Mas essas coisinhas eu até ponho fora
sem maiores dramas.
Mas agora vou
revelar uma espécie de tara que tenho, que bastante séria: guardo caixas de sapatos, principalmente de
botas, porque....puxa, são bonitas e eu sempre imagino que um dia precisarei
delas para alguma coisa importante. Uma maquete para um trabalho do colégio das
crianças, por exemplo, ou quem sabe para guardar meus lenços, echarpes... (nem
lembro que tenho gavetas, as caixas me desmemorizam, me atraem, me idiotizam).
Quando chega o dia de me desfazer de algumas, porque começam a atrapalhar o
trânsito pelo closet, me dói.
Outra coisa que
merecia um olhar atento de algum profissional é meu apego por nebulizadores
estragados. Tenho uns onze ou doze, já que meus filhos sempre tiveram asma.
Olho para aqueles aparelhinhos com um design tão bonitinho, faço menção de
colocar no lixo e não me animo. Os verdinhos então, são os que mais me seduzem.
Sacolas de loja,
tenho uma quantidade considerável, me parecem úteis demais. Talvez eu possa
fazer uma mudança de casa só com a ajuda delas. Guardo muitas, não tenho mais
espaço. De vidros vazios de perfume eu
consigo me desfazer, mas com dor, uma sensação estranha, opressiva.
Engraçada essa
minha mania por pequenezas inúteis, esse apego esquisito. Porque vejam, minhas
roupas eu dou com uma facilidade tremenda. Me desfaço sem o menor esforço, doo
colares, blusas, casacões, lençóis, blazers , calças jeans... sem remorso,
sorrindo. Depois nem penso mais, não me martirizo pelas generosas e largas
doações.
Sou uma pessoa
básica, jeans, camisetinha, alguns casacos, um pretinho, coringas aqui e ali e
deu. Não preciso mais para me sentir a vontade em qualquer ocasião, mas tenho
apego pelo que não preciso.
Já estamos
caminhando para o final de outubro. Pouco mais de dois meses para acabar o ano.
Está mais do que na hora de eu me desfazer de tudo o que não me é útil, que não
me faz bem, que não me deixa feliz. Vale para o que trago dentro também. Mágoas
antigas não me servem, pensamentos ruins, medos sem sustentação, paralisia,
tudo que atravanca minha vida.
Amanhã mesmo
começo uma faxina na alma, demora tempo, mas final de dezembro estarei mais
leve. Vou me desfazer de tudo que está
sobrando, até desses dois quilos a mais.
Os nebulizadores
deixo para depois. Preciso pensar um pouco. Porque vocês hão de concordar
comigo: mudanças drásticas não são assim da noite para o dia.
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