quarta-feira, 21 de outubro de 2015

A VIDA NO FINAL DOS SONHOS - Conto de Sergio Medeiros Rodrigues (Porto Alegre, RS)

A VIDA NO FINAL DOS SONHOS

Um homem caminha na rua.

Um homem, que alguém desavisado daria por perdido na rua, de repente sorri, um simulacro de sorriso, quase um ricto facial, algo indefinido, mas que, ao se reparar no intenso brilho que perpassa seu rosto neste breve instante,  poderia traduzi-lo como o lampejo de uma antiga esperança ou apenas a expectativa nervosa diante de um destino inevitável.
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Chego a esta casa. Não lembro quando aqui vim a primeira vez. No entanto, agora já me habituei, afinal quase tudo na vida consiste em repetições, até quase não notarmos a diferença entre esta casa, estes móveis, esta vida e as outras. Na realidade, nesses momentos não me lembro de outras casas ou de outras vidas que tenha tido. Sempre que penso em mim, me vejo neste sobrado. Mudam somente as cores, a idade, são sempre as mesmas pessoas, o mesmo cenário.

Subo a escada, e ao subir carrego junto comigo a sensação estranha de estar indo a lugares cada vez mais altos, mas ao invés de me dar medo, essa perspectiva me encoraja e ao mesmo tempo me causa um certo aperto no peito, pela repetição de uma rotina, pois ao final fica sempre um vazio, fruto do resultado de nunca se chegar a algum céu ou terraço inesperado, lugar onde eu iria, enfim, encontrar a redenção ou apenas respostas, ainda que simples.

Assim, não sem hesitação, detenho-me no segundo piso e dirijo-me a antessala, que logo após, dá lugar a uma sacada.


Daqui deste ponto, tenho a clara visão dos diversos outros acessos, posso vislumbrar a sacada em todo seu robusto pórtico e porta entalhados, no fundo os quartos com seus móveis pesados e, à frente, num espaço amplo, a sala, em que imponentes se mostram, em sua lateral, duas grandes janelas, quais molduras de quadros antigos, em que na pintura já se vão esvaindo as cores e, onde, nesse momento, é retratado de forma impositiva um crepúsculo de sangue, que em sua força ultrapassa os limites da tela e vai colorindo todos os recantos.

Reconheço, todas as vezes, com um leve laivo de assombro, mas, por paradoxal que seja, sem possíveis dúvidas, o local em que me encontro.

Num torvelinho estranho, como se num movimento circular de atos, sempre me vejo neste sobrado antigo, habitado por fantasmas, em que se desenrola uma repetida história, dividida em atos, no qual atores diversos se esmeram em falas catárticas e trágicas.

Eles, os fantasmas, são tantos, no quarto da frente, a menina - que me fita intensa e carinhosamente e cujo olhar imediatamente me evoca lembranças, mas que ao me aproximar, como num passe de mágica se desvanece no ar, estranho fantasma em meio a fantasmas mais acessíveis-, sempre a tomar sol (no canto da casa, iluminado e quente o dia inteiro); na sala central, ao lado da lareira, a velha vó, sentada em sua cadeira de balanço; no outro quarto, na lateral superior do sobrado, na sacada, uma moça esbelta e feliz espreita a rua; na cozinha, em que a mesa se encontra impecavelmente posta, um homem, cujo semblante revela uma aparência que mistura algo entre a angústia e a compenetração, apresenta-se quase imóvel, sentado numa cadeira antiga, como se à espera de uma última ceia.
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Este é o cenário de meus sonhos, um sobrado, um sobrado velho e decadente, onde incessantemente eu me via adentrar em cada um de seus aposentos, e ver seus habitantes repetindo seus gestos, suas falas e, ao fim, neste restrito mundo, cumprindo seus destinos.

Novamente eu me encontrava ali, sozinho com meus fantasmas, mas somente a noite. Deve ser a decantada familiaridade dos fantasmas com a noite, relatada em inúmeras tragédias e romances como algo que sempre intriga, a eterna dúvida, por que será que aparecem somente à noite, estarão ligados a sonhos? O amanhecer, com sua realidade inexorável, os desfaz? Ou estarão ligados a desígnios universais, como o adágio, conheceis a verdade (a luz) e ela vos libertará?
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São sete horas, lá fora já está escuro.

Um ruído ao meu lado.

- Boa noite diz a avó. Aliás, como sempre faz assim que me vê. E, logo após, incontinenti, inevitavelmente, começa a falar de modo ininterrupto. Entretanto, apesar da ansiedade e firmeza que transparecem em seu agudo tom de voz secundado por seus gestos, o que se ouve concretamente é uma fala calma, monótona, é quase a repetição de um mantra, um rosário de palavras, repleto de conselhos. Percebo de forma clara que, nestes momentos, sou o filho que morreu, talvez seja também o neto. De tudo o que é dito, quase em forma de apelo, vejo que suas histórias me remetem ao passado, a coisas que somente através da repetição poderia lograr entender. Nestes intervalos, vislumbro toda uma mutação, era a avó, mas, ao mesmo tempo a mãe, que voltava a ser o centro, a mão que guiava a família por um caminho, ainda que incerto e tortuoso.

Fui para a cozinha.

- Bom dia, me saudou de forma circunspecta o homem sério sentado à cabeceira da mesa. Ao contrário da vó, este não falava quase nada, somente de intervalos em intervalos, soltava exclamações sobre a urgência de se fazer o que tem que ser feito, de persistir em sua missão, e, ao final, em tom de lamento, sobre a ausência de sentido nestas mortes decorrentes da pura e instintiva violência, ainda presentes em seres contingencialmente humanos. Jamais mudava de lugar, era como se ele e tudo o que dizia estivesse preso a uma redoma inescapável, e que a verdade e urgência que exprimia era apenas um alerta ante a iminência, não da morte, mas dos desígnios de sua fala. Apesar disso, e da parcimônia dos gestos, sempre fazia o sinal da cruz, como se desse graças aos ensinamentos, este nobre alimento do espirito.

Tudo isso, a cozinha, o fogão, a mesa posta e a luz muito fraca, se confundindo com os tons do ocaso e se diluindo na imensidão dos cômodos traduzia um palco perfeito para o meu acompanhante que, calado, com os olhos postos no prato, parecia aguardar os desdobramentos da peça.

Paredes de um verde claro, meio decompostas, com manchas escuras de mofo, já havia me habituado a isso.
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O menino oferece uma flor. A menina aceita a flor, um sorriso no rosto do menino, um rubor no rosto da menina. Um menino, uma menina, dois rostos, dois sorrisos, e uma flor. Uma menina que desde pequena tinha visões, uma menina que podia prever o futuro.

Nesse dia previu sua morte e a de sua família, uma visão terrível,  soldados com rostos crispados pela violência, correndo nas ruas, prendendo, torturando e, num ódio cego, em atos selvagens, matando de forma bárbara, via tudo isso como se em uma sequência de imagens, primeiro os tiros, depois o sangue vertendo dos corpos, a expressão de dor e terror, e o brilho dos olhos a se desvanecer lentamente, um a um, via os membros de sua família morrendo, um a um, apenas o menino...
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Fecho novamente os olhos e, neste breve instante as lembranças voltam fortes.
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Era chegado o inverno, período em que a cidade vê-se envolta em brumas.

A chuva fina, a inocência infantil e o terror escancarado no rosto molhado, olhos desmesuradamente abertos, olhos que viam além do simplesmente apreensível, viam o instante seguinte, os passos que a vida dos homens ainda não deu e que a ninguém deveria ser dado perscrutar.

Faz-se um grande silêncio, seguido de murmúrios, troca de segredos, feitura de planos.

Pensaram no início em fugir, no entanto, mais que todos, sabiam que ninguém foge ao destino retratado nos sonhos, resolveram então desistir deste plano.

Entretanto, sabedores que de suas vidas restava apenas um lapso de tempo, puseram-se de acordo, elaboraram pedidos, fizeram preces. Em seus novos planos imaginavam-se apenas personagens de sonhos e, nessa condição, em que sonhos se contrapunham à realidade, poderiam, num outro arranjo do destino, completar suas vidas. A morte não existiria, pois, sendo sonhos, nada poderia atingi-los, nem o descaso dos homens, nem o esquecimento das mentes. Num recanto oculto, subsistiriam, e a qualquer noite poderiam voltar e completar seus ciclos, repetir suas vidas.
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Sobressaltado, acordo. São sempre os mesmos sonhos, já não sei nem mesmo qual é minha realidade. E sempre o sobrado.

Afasto o pano áspero das cortinas e olho para a rua movimentada.

A vida passa lá fora. Daqui desta sacada, vislumbra-se quase todo este bairro, antigo reduto da aristocracia, agora relegado ao descaso estatal, como se fossem ruínas antigas, nos remetendo a algo que não deve ser lembrado.

Mas eis que surge, ao derredor, de forma presente, quase física, esta aura de mistério que subsiste em todas as coisas que habitam estes lugares e que, sem pedir licença, propõe enigmas a serem desvendados.

Vejo a rua, suas lojas, a rotina absurda de seus míseros habitantes, transformados em meros objetos, padronizados, embrutecidos, como se fossem a produção em série de uma linha de montagem, onde demônios tivessem tomado a direção.
Inquieto, subo ao terraço.

Olho o bairro, a cidade ao meu redor, e vejo, numa época  anterior, que precedeu a guerra e a decadência, - a vida simples das pessoas, o riso nas varandas, as cadeiras nas calçadas e o ritmo suave das conversas ao final da tarde.

No entanto, tal imagem se me apresenta como acontecida em uma época demasiado remota, quase anterior aos prédios, à cidade, como se fosse, num quadro da história - o resquício dos hábitos de antigas reduções guaranis jesuíticas, impregnadas de antigos e não corrompidos ensinamentos cristãos, que encontraram guarida em almas simples.

Paro novamente, não, não é isso, certamente é apenas a lembrança, sempre presente, de que em algum lugar, algum dia, existiu um lugar onde os homens eram justos, de uma pureza de pensamentos ainda não corrompidos por discursos de supremacia e violência.

Inquieto, recolho-me ao escritório.

Lentamente, livre de quaisquer amarras, olho ao meu redor e começo a divagar, e nessa fronteira livre entrelaço meus confusos pensamentos, e em cada coisa vejo espaços a serem explorados.

As tapeçarias e seus estranhos desenhos, as pessoas e suas enigmáticas vidas.

Quedo-me estático e, parece-me, nesse instante, compreender parte deste enigma.

É isso, os fantasmas impediam-se de ser só, preenchiam meus pensamentos, que é onde se instala a solidão. Era como se realmente houvesse, em algum lugar, paz, aonde deuses e homens fossem parte única de um futuro mundo feliz e determinado pela certeza.

Nesse instante o barulho familiar do trem interrompe meus devaneios.

Certo, não há descanso. Mas não se sabendo tem de se buscar. E o que se procura concretamente? Nem mesmo isso se sabe. Talvez nada de real se procure e somente reste tempo a ser preenchido.

Enquanto isso, procuro incessantemente este “algo”, nas revistas e jornais, nos vídeos e fotos, os quais, pouco a pouco me revelam novos postulados sobre o mundo, sobre a vida, sobre a vida dos homens. 

Mostram-me de uma forma exata, como a ótica dos justos, num verniz, enche a vida de certezas, interpretando o erro e o justificando, não contente com o fato dele apenas existir, e não sermos infalíveis.

Não obstante todas estas constatações não deem fim a minhas dúvidas, persevero sem esmorecer, e continuo minha odisseia, em busca talvez de paz e novas respostas ou apenas, com o passar do tempo, do descanso da sanidade conformista de uma vida pacata.

Concretamente,  estes são os processos indefinidos que compõem a vida de um homem, e que se dão assim, separados, como se não fossem concatenados, como se faltasse algo que unisse as pontas e, nada que pudesse ser vislumbrado sob um olhar atento para a realidade teria o condão de desvendar a verdade.

Não se trata apenas do tempo, mas da soma, do acúmulo de sensações diárias com o aparente isolamento inercial dos vários sentidos, que se dá dia após dia, até o instante em que a mente faz as ligações necessárias e constata que algo mudou. E fomos nós.
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Passos furtivos, olhos presos a janela e aos acontecimentos, olhos que não veem a rua, veem a ferocidade, não são homens, são animais sedentos de sangue e destruição, lábios apertados que tremem, engolem um grito de desespero, uma súplica ao que se sabe inevitável.

A moça olha a rua, homens fardados passam, uma guerra acontecendo em atos, assassinos passam, destruindo tudo em seu caminho.

A casa invadida, a desonra seguida da morte e depois a fuga, ante o horror que os corpos inertes e o sangue derramado passou a lhes causar.

A casa solitária, a rua, agora deserta.

A casa fria, já não há mãe, marido, filhos, restou apenas o menino estendido no porão.

Imagens distorcidas, sonhos, um garoto coberto de sangue no porão, o porão frio, o medo, as sombras, os gritos, tiros, e depois de uma espera interminável, a volta ao silêncio e com ele uma fraqueza e sono invencíveis.
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Como se estivesse saindo de um torpor, vagarosamente acordo-me e levanto. A luz fraca dá uma sensação fugidia de distância, tudo fica translúcido e, envolto em névoa e em meio a esta atmosfera insólita, me locomovo, e carrego interrogações comigo.

Costumo olhar a rua, ver o que se passa lá fora à noite. O que vejo me dá a impressão de um filme antigo, pessoas cruzam nas ruas, namorados, bêbados. Eu também me embriago às vezes, e as sombras se tornam mais difusas, a sensibilidade atinge seu limite e quase chego a compreender este algo que me falta, esta peça, o labirinto, a saída.

As luzes dão uma cor rosa à cidade, névoa rosa, um colorido estranho, mas apenas ruas rosas, onde homens cinzas passam, bêbados de amor e incerteza, cansados de trabalhar e viver, tentando encontrar e não sabendo o que, quase sempre uma mulher, sexo e só. O diálogo é a fraqueza dos desesperados, fração cinza das noites.

Os bares da cidade não fecham aos fins de semana, não dormem o sono insone dos que vagueiam nos labirintos claros da cidade, com vodca e uísque sem gelo.

Neste ponto sinto que o barulho que deles emerge me aflige os sentidos por ser real e presente, mas, ao mesmo tempo distante, algo tão cru como a luz de um poste.

É isso, um espaço de prédios e ruas e carros, externamente frio, mas que em seus cantos recônditos, tem algo que pulsa, quente, e se move incessantemente em busca de vida.

São apenas contornos da cidade escura, prédios em ruínas, como as marcas do tempo.

Vejo sombras percorrendo as ruas, em claro contraste com a imobilidade dos objetos, que cansam os olhos e rebelam os sentidos. Apenas tijolos e concreto, firmes, sólidos alicerces, de preto absorvendo luzes, mas, em meio a tudo ainda existe movimento, e uma ansiosa alma se rebela e sai para a luz.

No entanto, algo me escapa, e parece que fica preso em algum recanto da memória. Por isso a solidão, algo nos falta, perdido, ou talvez não falte nada, e a lembrança de que um dia fomos deuses não exista. Fica somente o vazio, a mente trai somente o esquecimento, até mesmo de algo que pode nunca ter existido.

Já estava cansado. Quando encontraria a resposta? Talvez nunca a encontrasse se, num dia, por acaso, não houvesse vislumbrado um rosto, que no momento em que o vi, pareceu-me vagamente conhecido. Ia por uma rua não muito distante do lugar onde moro, um mercado público de quinquilharias. Seu tipo exótico me chamou a atenção, destoava do ambiente, seus cabelos negros, grandes olhos azuis, compunham um rosto extremamente belo, contrastando sua juventude frente às antiguidades. Entre este breve instante em que fiquei absorto e o momento seguinte, em que a procurei, já a havia perdido.

Desde este dia, a tenho procurado em vão, em todos os lugares, no mercado, no bairro, em todos os lugares públicos e passeios da cidade. De vez em quando me vem a mente a interrogação, será que não seria apenas mais uma alucinação?

A visão daquele rosto se prendeu de tal modo a minha vida que precisava encontrá-la para finalmente saber quem eu era realmente. Os meus sonhos haviam terminado abruptamente e com eles sumiram também meus fantasmas. Restava somente a lembrança do sobrado e eu. Entre nós uma porta aberta para o azul do céu, dos olhos, da vida, e eu me agarrava desesperadamente a esta esperança.

Começava a recordar minha vida desde a saída do hospital, aonde chegara, segundo me diziam, trazido da rua, todo ensanguentado, como se estivesse morto. Tinha, nesta época, mais ou menos 10 anos. Era um tempo estranho, onde as pessoas desapareciam e ninguém ousava perguntar por elas. Eu, ao contrário, surgira do nada e também ninguém indagaria minha origem, nem mesmo se soubessem a resposta. Morei durante vários anos com um velho senhor, recentemente falecido, servidor público, que trabalhava no Hospital Municipal na época do ocorrido, e só então decidira descobrir, a partir de suas informações e da abertura democrática, o mistério que cercava minha vida antes disso.

Em minhas andanças pela cidade, certo dia, cheguei a um lugar estranho, vagamente familiar, apesar de eu ter certeza de nunca ter ido a este bairro nestas buscas incessantes que fizera até este dia. Isto a princípio me intrigou, mas como todas as coisas em minha vida sucediam-se de forma totalmente estranha e inesperada, resolvi seguir em frente e, qual não foi minha surpresa, quando, ao final de uma alameda, meio escondida entre o mato, reconheci, a princípio com medo e assombro e após com uma intensa e mal disfarçada euforia, o sobrado de meus sonhos, surgindo decadente, semidestruído, bem a minha frente.

Durante algum tempo fiquei ali, estático, mas, logo depois resolvi entrar no sobrado. Fui andando por um caminho quase que totalmente obstruído pelo mato.

Quando estava em frente a porta, quase que imperceptivelmente ouvi um ruído vindo da entrada. Voltei-me lentamente e procurei, com o canto dos olhos para ver quem estava espreitando o lugar. Qual não foi meu espanto quando dei de cara com a moça do mercado público, sorrindo de uma maneira marota e maliciosa para mim.

Ela então me contou tudo, éramos nós as crianças dos sonhos, ela os tinha também. Finalmente descobri que na visão que ela teve, havia me visto coberto de sangue e inerte no porão, então me supusera morto. Na verdade somente ela se salvaria. Depois do massacre, fugira e fora ao encontro de alguns amigos de meus pais, que, logo após terem ciência do fato, procuraram asilo num país estrangeiro e levaram a menina junto com eles e adotaram-na como sua filha a partir desta época. Nunca mais tivera visões, somente numa época recente, de tempos em tempos, em sonhos, vinham a sua mente imagens do sobrado, agora habitado por fantasmas e, junto com ele, surgia um rosto enigmático de um rapaz em plena maturidade.

Voltara fazia poucos meses e ficaria apenas alguns dias, vinha apenas tomar posse de seus pertences, vendê-los e nunca mais voltar a este lugar repleto de lembranças tristes. Se não tivesse visto no mercado um rapaz extremamente parecido com o de seus sonhos, não teria mais voltado. A partir daí, convencera seus pais adotivos a deixá-la passar uma temporada na cidade, ver lugares conhecidos, exorcizar seus fantasmas. Todos os dias, vinha ao sobrado, na esperança de encontrar alguma resposta a seus sonhos, mas nunca entrava, era como se fosse um lugar sagrado e sua presença o profanaria.


De mãos dadas, juntos, abrimos a porta, e, nesse instante, como se fosse numa procissão, libertos, saíram, um a um, todos os fantasmas, felizes, tinham realizado seus intentos, seus filhos estavam novamente juntos. Logo após, entramos, passamos por móveis empoeirados, quebrados, janelas caídas, portas que conservavam as marcas da violência, cheias de perfurações de balas e, finalmente, no quarto da frente, um resto de sol filtrava-se sobre um canto, onde se mostrava, em toda sua beleza, uma rosa, vermelha, viva, linda.

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