CORRIDA DE TÁXI
Entrou no táxi
falando no celular com uma amiga que a aguardava. Estava atrasada. Tentou dar o
endereço, mas foi interrompida pelo taxista.
– Que perfume
bom!
– O senhor acha?
– respondeu distraída. – Não, não acho, senti.
Surpresa, ela
resolveu olhar o motorista que a observava pelo retrovisor e que, até então,
havia passado despercebido. Indicou o endereço num tom de voz neutro. Aquele
que as mulheres usam quando pretendem manter a distância. Não queria dar
entrada e muito menos ser grosseira, afinal não tinha certeza sobre o propósito
do comentário.
– Então, aonde
vamos? – perguntou novamente, agora virando o corpo e olhando direto para ela.
A inflexão da voz e um leve trejeito no canto da boca o traíram e deram a ela a
medida exata da sua primeira impressão.
– À Rua Marquês
do Herval, 641 – respondeu com a mesma entonação inicial.
...era só o que
me faltava agora logo agora que estou atrasada e estressada com essa quantidade
de coisas que preciso ainda fazer esse homem resolve me dar uma cantada será
que é isso mesmo ou estou ficando louca não acredito e agora o que é que eu
faço mando parar e desço ou vou em frente estou enganada esse táxi é do número
que chamo sempre é seguro esse número e esse cara não há de ser o tarado do
táxi que bobagem vou seguir até porque tenho pressa...
O táxi tomou o
rumo indicado e a conversa foi reiniciada. Falou do tempo, do número excessivo
de carros nas ruas, dos políticos e da crise que diziam não atingiria o país.
Ela desarmou-se daquela primeira impressão desagradável e relaxou. Era um homem
maduro, de origem italiana, passava dos sessenta anos. Tinha uma cara de gente
boa, pensou.
– Gosta de
viajar? – perguntou, repentinamente, no meio de uma fala sobre a ajuda dos
governos às grandes instituições financeiras. Desprevenida disse que sim.
– E o seu marido
também gosta?
– Meu marido
morreu. – respondeu. Arrependeu-se no meio da própria frase, mas já era tarde.
O sessentão descolado, de fala mansa e atualizado, chegou com sutileza onde
queria. Mudou o assunto e um marketing pessoal foi desenvolvido enquanto
dirigia. Com habilidade, foi apresentando-se: proprietário do carro que
dirigia; de um bom sítio pertinho da Tabaí Canoas; de um barco que comprara
anos atrás, mas bem conservado, ainda passeava nele; possuía casa própria na
cidade e gostava de oferecer churrasco aos amigos. Estava acostumado a gastar
em carne e bebida nesses encontros de final de semana. Sentia-se muito só, a
mulher o deixara, pois não se adaptara à vida na capital e, como não tiveram
filhos, a relação acabou.
Aproximava-se o
fim do trajeto. O táxi parou e ela entregou-lhe o dinheiro. Estava atordoada.
– Não sente
falta de um companheiro? – perguntou, olhando-a com aquele leve trejeito no
canto da boca.
... não acredito
o que ele pensa que eu vou responder ...
– Hoje em dia
está difícil de encontrar uma pessoa do bem e sincera, não concorda comigo? –
insistiu, alcançando-lhe o troco. – Tem razão, está difícil. – concluiu,
abrindo a porta e dando por terminada a conversa e a corrida.
Saiu apressada.
Antes de abrir o portão do prédio, olhou para trás. O carro continuava parado.
Um impulso a fez retornar, mas uma moça de salto alto e de vestido justo chegou
primeiro.
– Para a
Fernandes Vieira, por favor.
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