sexta-feira, 23 de outubro de 2015

CORRIDA DE TÁXI - Conto de Gilka Coimbra (Uruguaiana, RS)

CORRIDA DE TÁXI

Entrou no táxi falando no celular com uma amiga que a aguardava. Estava atrasada. Tentou dar o endereço, mas foi interrompida pelo taxista.

– Que perfume bom!

– O senhor acha? – respondeu distraída. – Não, não acho, senti.

Surpresa, ela resolveu olhar o motorista que a observava pelo retrovisor e que, até então, havia passado despercebido. Indicou o endereço num tom de voz neutro. Aquele que as mulheres usam quando pretendem manter a distância. Não queria dar entrada e muito menos ser grosseira, afinal não tinha certeza sobre o propósito do comentário.

– Então, aonde vamos? – perguntou novamente, agora virando o corpo e olhando direto para ela. A inflexão da voz e um leve trejeito no canto da boca o traíram e deram a ela a medida exata da sua primeira impressão.

– À Rua Marquês do Herval, 641 – respondeu com a mesma entonação inicial.


...era só o que me faltava agora logo agora que estou atrasada e estressada com essa quantidade de coisas que preciso ainda fazer esse homem resolve me dar uma cantada será que é isso mesmo ou estou ficando louca não acredito e agora o que é que eu faço mando parar e desço ou vou em frente estou enganada esse táxi é do número que chamo sempre é seguro esse número e esse cara não há de ser o tarado do táxi que bobagem vou seguir até porque tenho pressa...

O táxi tomou o rumo indicado e a conversa foi reiniciada. Falou do tempo, do número excessivo de carros nas ruas, dos políticos e da crise que diziam não atingiria o país. Ela desarmou-se daquela primeira impressão desagradável e relaxou. Era um homem maduro, de origem italiana, passava dos sessenta anos. Tinha uma cara de gente boa, pensou.

– Gosta de viajar? – perguntou, repentinamente, no meio de uma fala sobre a ajuda dos governos às grandes instituições financeiras. Desprevenida disse que sim.

– E o seu marido também gosta?

– Meu marido morreu. – respondeu. Arrependeu-se no meio da própria frase, mas já era tarde. O sessentão descolado, de fala mansa e atualizado, chegou com sutileza onde queria. Mudou o assunto e um marketing pessoal foi desenvolvido enquanto dirigia. Com habilidade, foi apresentando-se: proprietário do carro que dirigia; de um bom sítio pertinho da Tabaí Canoas; de um barco que comprara anos atrás, mas bem conservado, ainda passeava nele; possuía casa própria na cidade e gostava de oferecer churrasco aos amigos. Estava acostumado a gastar em carne e bebida nesses encontros de final de semana. Sentia-se muito só, a mulher o deixara, pois não se adaptara à vida na capital e, como não tiveram filhos, a relação acabou.

Aproximava-se o fim do trajeto. O táxi parou e ela entregou-lhe o dinheiro. Estava atordoada.

– Não sente falta de um companheiro? – perguntou, olhando-a com aquele leve trejeito no canto da boca.

... não acredito o que ele pensa que eu vou responder ...

– Hoje em dia está difícil de encontrar uma pessoa do bem e sincera, não concorda comigo? – insistiu, alcançando-lhe o troco. – Tem razão, está difícil. – concluiu, abrindo a porta e dando por terminada a conversa e a corrida.

Saiu apressada. Antes de abrir o portão do prédio, olhou para trás. O carro continuava parado. Um impulso a fez retornar, mas uma moça de salto alto e de vestido justo chegou primeiro.


– Para a Fernandes Vieira, por favor.

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