segunda-feira, 19 de outubro de 2015

DESEJOS VELADOS - Conto de Dôra Borges (Belo Horizonte, MG)

DESEJOS VELADOS

Aquele poderia ser mais um final de noite comum, de uma sexta-feira qualquer, como costumava acontecer na vida de Epaminondas, um advogado aposentado, sério e sem muita conversa. Mas o acaso tratou de mudar o rumo da rotina que tornava a vida dele e de sua esposa Emerenciana, um tanto previsível.

Era quase meia-noite e o casal voltava de táxi da apresentação da orquestra sinfônica estadual, que inaugurava um espaço cultural na capital onde moravam. Para chegar em casa pelo caminho mais comum, passavam por uma avenida onde era “ponto” de prostituição. Lugar de pouca vergonha, como dizia injuriado Epaminondas sempre que se deparava com uma das profissionais fazendo abordagem na janela dos carros que paravam no sinal e, não raro, até no carro dele.

Epaminondas dirigia com desenvoltura o seu carro sedan, mas para os passeios com a esposa, preferia pegar táxi a se aborrecer com a procura por estacionamentos nas disputadas vagas do centro da cidade. Por essa razão, acomodava-se no banco da frente e nem precisava ensinar o caminho ao taxista, já que sempre usava o serviço do filho de um amigo, que lhes servia quando precisavam. Era um rapaz de meia idade, apessoado, e com um humor refinado que, vez ou outra, conseguia arrancar uma gargalhada do Sr Epaminondas.


Ao fazer um retorno e aguardar a liberação do sinal fechado, o carro parou ao lado de uma dessas meretrizes (palavra formal que o casal usava para descrever as moças) e, Emerenciana que, envolta por uma curiosidade feminina sobre aquele universo, olhava-a disfarçadamente. Foi quando percebeu que ela estava totalmente nua da cintura para baixo. Uma blusa comportada vestia os seus seios volumosos, enquanto segurava o que parecia uma microssaia em uma das mãos e, com a outra, fingia arrumar a sandália de salto alto.

- Que horror! Bradou silenciosamente Emerenciana, em seu pensamento assustado.

O sinal abriu e, ao chegar em casa, ela perguntou meio sem jeito ao marido se ele tinha visto aquele despropósito. Epaminondas coçou a cabeça, ajeitou o bigode ralo e disse a ela:

- Você anda vendo coisas demais nessas beiradas de rua, Ciana. É só não olhar.

(Ciana era como ele a chamava nos momentos íntimos e carinhosos).

Já no quarto, após se acomodarem para irem dormir, ela foi repentinamente surpreendida pelos carinhos voluptuosos do marido que a amou como há muito tempo não o fazia. Atônita, Emerenciana não conseguia desvincular a genitália vista na rua, da cena que acabara de vivenciar. Na sua mente só tinha uma certeza: ele a viu. Virado para o lado, Nondas (como ela o chamava nessas ocasiões) dormia profundamente.

A vida continuou na mesma enfadonha rotina anterior e, poucos anos depois, Emerenciana ficara viúva. A saudade do marido lhe doía muito e então passou a frequentar sozinha o teatro e outros lugares onde iam juntos. Numa dessas suas saídas, voltava para casa, no mesmo taxi que costumeiramente usavam. No sinal fechado, olhou para os lados como sempre fazia à procura daquela prostituta abusada. Uma depravada que, não se preocupando com o atentado ao pudor, expôs o seu produto em vitrine aberta, à espera do primeiro cliente da noite, naquele dia inesquecível. De repente, lá estava ela, num vestido vermelho colado ao corpo, com a mão na barra da sua saia. Os olhos arregalados de Emerenciana, no banco de trás do veículo, foram notados pela moça que, maliciosamente, ergueu o vestido e soltou uma gargalhada, mostrando o seu corpo totalmente nu, debaixo do tecido rendado.

- Valha-me Deus! Suspirou Emerenciana. Seu coração disparou e, atônita, só conseguia pensar na sua última noite de loucuras com o seu Epaminondas. Despistando o espanto, ao abrir o sinal, raspou a garganta e perguntou ao já íntimo taxista, se ele tinha visto o que ela viu. Bem humorado como sempre, o rapaz riu com o canto da boca, olhando-a pelo retrovisor e respondeu-lhe:

- Não sei do que a senhora está falando...

Ao chegar na porta do prédio onde morava, Emerenciana desceu do carro e pensou: Ele viu sim.

Sem titubear, convidou o rapaz para entrar e tomar um café.

O motorista, não se preocupando com a próxima corrida, respeitosamente aceitou o convite. Afinal, que mal teria em tomar um café com aquela senhora tão simpática?

Emerenciana fechou a porta do seu apartamento, lascou um beijo molhado na boca do taxista e arrastou-o para o seu quarto...


Afinal, o café poderia esperar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário