segunda-feira, 28 de setembro de 2015

CONTAGEM REGRESSIVA - Conto de Márcio Estamado (Álvares Machado, SP)

CONTAGEM REGRESSIVA

Quando faltava meia hora para a meia-noite, Júlio desceu as escadas. Os cabelos alinhados com gel. Bermuda e camisa brancas. Viu seu rosto queimado de sol ainda uma vez mais no espelho, as olheiras profundas que destacavam olhos verdes e cansados. Pela aparência, não adiantou muito esticar a sesta até mais tarde. Todos já o esperavam no grande salão do andar térreo. Foi recebido com saudações efusivas, incluindo as dos subordinados que, durante o ano inteiro, mal disfarçaram o desejo de tomar o seu posto.
Os minutos pareciam não passar. Ele esfregava as mãos, sorria sem graça e ouvia, sem prestar atenção, as conversas ao redor. Olhou o relógio, impaciente. Quinze minutos.
-Júlio, e o champanhe, homem?
Justamente o maior puxa-saco da empresa. Júlio apontou um grande recipiente com gelo, cheio de bebidas dos mais variados teores alcoólicos.
-Júlio, esse ano promete, hein? Essa tua política de expansão é de arromba, cara! Ninguém vai resistir...ah!ah!ah!
Dois tapinhas nas costas selaram aquela intervenção grosseira. Cinco minutos. Taças dispostas na mesa. E a ansiedade o invadiu. À meia-noite, o primeiro a abraçar Júlio foi um office-boy, rapaz promissor, talvez o único ali com alguma modéstia. Os que estavam mais sóbrios estranharam quando Júlio prolongou o abraço ao garoto, chorando convulsivamente.
-Foi um ano de muitas conquistas pra ele. Está emocionado com razão.
Lágrimas ainda escorriam por seu rosto ao receber uma ligação no celular.
-Senhor Júlio? É do hospital. Acabamos de desligar os aparelhos.

E o colorido dos fogos riscou o céu estrelado.

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