sábado, 3 de outubro de 2015

A CUIA - Conto de Dôra Borges (Belo Horizonte, MG)

A CUIA

Ao lado da casinha de taipa, a água cristalina escorria na bica feita de bambu cortado ao meio e deslizava para o riacho corrente, formando um lago mais à frente, no descampado da mata cerrada. O sol a pino estilava brilhos cintilantes das grossas gotas d´água que batiam nas pedras e repicavam, formando um sutil arco-íris em sua transparência esverdeada pelos arbustos que ladeavam o corte do barranco úmido. Era prenúncio de primavera e um florido ipê amarelo se despetalava sobre o telhado de palhaça do casebre do caboclo Terêncio, um jovem e forte homem, à procura de um tesouro para ofertar à Maria, sua paixão resguardada.
Sentado ao lado da bica, ele ouve um pássaro cantador que, incessantemente, entoava o seu forte canto de conquista. Era domingo e, no povoado distante, o sino repicava na capela do Bom Senhor, onde por certo as andorinhas alvoroçadeiras se debandavam da torre, assustadas com as badaladas estridentes.
Por aquelas bandas de Minas, o garimpo era a única esperança de que no brilho da cuia, a vida pudesse ter outra sorte. Rêncio, como era chamado pelos irmãos, levanta o chapéu velho de feltro, limpa o suor que lhe escorre pela testa e espia a corredeira chegando ao lago. Aperta os olhos para quebrar a claridade que lhe ofusca as vistas. Na mão direita, segura uma cuia feita de cabaça madura, já meio embolorada pelo tempo, com a qual costumava pegar lambaris no riacho. Envolto em pensamentos descompromissados, beirando a sonhos, olha para o fundo do poço de águas límpidas e vê num ponto reluzente, de brilho forte, resplandecente pelos raios de sol que penetravam água adentro. De sobressalto, misturando esperança com coragem, o caboclo saiu apressado com a sua cuia e mergulhou fundo em busca daquele tesouro errante. Mas no caminho tinha uma pedra... e num choque violento, o ouro se perde nas profundezas do barro sangrento. A cuia leve dançava na correnteza e seguia o seu curso. Naquele instante, o brilho da riqueza foi ofuscado pela dor e desilusão do caboclo sonhador. Terêncio volta à bica, lava a mágoa e novamente assenta naquela pedra a escutar o canto, que agora lhe parece tão triste, do pássaro conquistador.  Por anos a fio, ele continua ali, olhando as águas ribeirinhas à procura da sua cuia...

Na cidade ainda pacata, o sino da igreja do Bom Pastor não toca mais.

O caboclo jaz na mata, sonhando com Maria e esquecendo o ouro das Gerais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário