SENTINELA
Ao errar pelas
lentas galerias do antigo prédio, um sopro de ar frio lambeu os dedos que
guardavam a chave. Acelerou o passo e só o silêncio preenchia o intervalo seco
do andar. Na outra mão, a filha menor com quem fizera o mesmo trajeto, toda a
semana, no último ano. Naquele dia, por três vezes errou o caminho que pensava
saber de cor e, por três vezes, determinada, reiniciava a busca até que avistou
o que procurava. Segurou firme a mão da criança. Carregava-a consigo para
garantir o retorno e a lucidez cada vez mais escassa.
Aproximara-se da
porta, alisou a saia, e girando a chave preparou-se para entrar. Deixou a filha
do lado de fora, no corredor, com um livrinho de história nas mãos, e
recomendou que não se afastasse. Teve a impressão de que a menina ia chorar. De
uns tempos para cá percebia sinais de entendimento no rosto da criança. Desviou
daqueles olhos espichados em sua direção e fechou a porta antes que ela pudesse
dizer qualquer coisa. A brisa gelada e o cheiro amadeirado, que escapulia pela
estreita passagem, anteciparam a presença, acelerando o desejo. Trancando a
porta, acendeu a luz.
– Pensei que
você não viria. Hoje tenho pouco tempo – disse-lhe o homem recostado na cama.
Com os olhos
envenenados de lágrimas, foi em sua direção, desabotoando a blusa.
Do outro lado,
como sentinela em lenta espera, a menina transformava-se num grande olho
mágico, espiando a vida pelo avesso.
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