sábado, 3 de outubro de 2015

CIDADELA - Crônica de Carlos Emilio Faraco (São Paulo, SP

CIDADELA

Estranhei quando bateste à porta fora de hora...
Nunca vinhas durante o dia, por medo de encontrar a casa povoada de passados que foram só meus.
Aos poucos tirei os retratos de cima dos móveis, porque os rostos pareciam te fixar - confessaste olhando para o mesmo chão em que procuravas passos antigos.
Embora eu te garantisse que passos não duram tanto tempo, achavas que eles são a assinatura perene de quem perambula à vontade pela casa do outro. E que nunca morrem.
Depois, joguei fora os quadros comprados em Veneza, pois odiavas o fato de meus olhos terem possuído a cidade em outra companhia, apesar de eu ter te garantido  que Veneza é impossuível por quaisquer olhos, sós ou acompanhados.
Ultimamente, as asas da minha respiração nem ousavam grandes voos, para evitar que tu me imaginasses inspirando as impressões digitais deixadas pela casa por outras mãos, o perfume esparzido no ar por outro corpo.  Sem contar que eu já havia tido o cuidado de alisar todos os tecidos, pois bastava uma dobra antiga para imaginares que ela escondia enredos.

Não estranhei quando bateste a porta fora de hora...

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