MISSIONEIRO FAKE
Ao chegar ao
hotel, em frente ao mar de Copacabana, fui muito bem recebido pelos atendentes.
Diga-se, bem demais.
Como todo bom
carioca, pessoas educadíssimas no trato com os turistas. Apressavam-se em abrir
as portas do elevador, ofereciam cafezinho, cumprimentavam com esmero, muita
atenção e delicadeza. Mas todo esse tratamento exacerbado tinha uma explicação.
Lá pelo terceiro
ou quarto dia, um dos atendentes chegou pedindo desculpas e perguntou se eu era
pastor. Por alguns instantes fiquei meio apreensivo, pois uma estampa de pastor
não é o perfil que imaginaria para mim. Mas em poucos segundos deduzi o motivo
da pergunta. O rapaz olhava constantemente para um botton na lapela do blazer.
Uso regularmente
a Cruz de Caravaca, Cruz de Lorena ou, como conhecemos aqui por essas bandas,
Cruz Missioneira. Aquela com dois braços. Comprei esse botton quando visitei as
ruínas de São Miguel das Missões. Um lugar mítico, muita energia vinda do
passado. Um lugar que nos coloca em reflexão. Passeio fundamental para quem é
oriundo das Missões ou para qualquer brasileiro que se interessa pela história.
Na lapela do meu
casaco eu faço um rodizio de bottons: Cruz de Caravaca, taça do mundial, mascote
do Inter e o pin de prata da Caixa para eventos corporativos. Devo confessar
que minha lapela já foi bem mais política, mas hoje não vejo motivos, acho que
o desencanto é maior. E na lapela do blazer tem prioridade a Cruz Missioneira.
Nas férias no
Rio de Janeiro foi a primeira vez que a minha pouca fé não passou incólume pela
cruz que, eu imaginava, identificava tão somente a minha origem. A Cruz de
Lorena me promovia a pastor. A segunda vez que fui promovido a pastor foi em
Ouro Preto ao visitar umas das igrejas históricas da cidade. Lá o guia
perguntou se eu era padre. Um padre com esposa e dois filhos... Respondi,
apenas, que a cruz era o meu certificado de origem. Tipo vinho, sabe? Eu não
era missionário, e, sim, missioneiro. Região das Missões do Rio Grande do Sul.
Me identifico com a região das Missões, tenho uma atração pela cruz de dois
braços, acho de uma beleza singular. Emana poder e luta. Algo “essa terra tem
dono”.
Então, a Cruz de
Caravaca está sempre na lapela e, mais recentemente, uso um chaveiro que
comprei num lojão do centro. O uso da cruz pode ter sido influência de um
ex-governador metido a galo. Quem sabe! Só tem um pequeno detalhe: eu sou um
falso missioneiro. Nasci em Santiago do Boqueirão, ali do ladinho das Missões,
e o Baita Chão não faz parte das Missões. Mas é como se fizesse. É como eu me
sinto: um Missioneiro. No entanto, o meu certificado de origem é falso, aliás,
como alguns vinhos.
Eu sou um
Missioneiro Fake.
Com muito
orgulho. A Cruz de Caravaca continua no blazer. Nem que em alguma circunstância
eu tenha que fazer uma benção. Aleluia irmão!
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