TECEDURA
Nosso quarto
situava-se a vinte passos do templo cor de sol poente. Havia música no ar
produzida por um móbile gigante elaborado em metal, pela agitação das fitas com
toda a espécie de mantras escritos em sânscrito amarradas a postes, pelos
rosnados e latidos dos cães e por aqueles pássaros que deixam os ninhos nas
horas mais inesperadas e frias buscando outras paragens.
Às três horas e
trinta minutos acordei, compreendendo logo que não poderia ficar na cama até o
horário em que minhas companheiras levantariam. Caminhei até o banheiro, depois
sentei nos degraus do alpendre, enrolada num cobertor. A pequena cidade
iluminada estava coberta por nuvens azuis e rosadas, como se sobrevoássemos
aquele local.
O frio intenso e
a possibilidade do encontro com um cão que estranharia aquele único ser humano
acordado àquelas horas me recomendava prudência e eu permanecia a me satisfazer
com a paisagem, com os sons e com a ideia de estar presente naquele lugar.
Passados alguns minutos, observei que a minha visão estava transfigurada: como
se tudo estivesse por trás de uma tela diáfana, raiada por estrias cintilantes.
A dez passos, uma árvore coberta de frutas amarelas. Não haveria perigo em
caminhar até ela e colher uma tangerina. Descobrira que fruta era aquela, muito
fria e orvalhada. Um pássaro bateu asas e deixou seu ninho na tangerineira.
Aquele gesto que me proporcionava prazer e fascínio, causava medo e desabrigo
para um outro ser. Os mantras tremularam mais adiante e eu me encorajei a me
aproximar deles. Nada poderia me prejudicar num lugar tão encantado. Cobri a
cabeça e me aproximei dos escritos sagrados. Não importava que eu não soubesse
pronunciá-los, desconhecesse os significados. Me acenavam como se tivessem
muito o que contar. Desci mais degraus no terreno acidentado e fui reverenciar
aquelas faixas coloridas. Minhas orações da infância não bastavam e, no meu
desconhecimento da filosofia oriental, segui um rito que brotou de mim.
Permaneci por
longo tempo me deixando penetrar por aquele éter cósmico.
O rapaz
encarregado da ordenha das vacas preparava-se para cumprir suas tarefas quando
avistou, ao longe, aquela mulher e se dirigiu para oferecer-lhe um café quente
ou aquele líquido verde próprio do sul que "dá barato sim, dá barato
sim" na composição de Nei Lisboa.
O rapaz e a
mulher foram para a cozinha, ele precisava preparar o chimarrão à moda de Santa
Cruz para iniciar o dia. Tudo pronto, dirigiram-se para a pequena camioneta com
as vasilhas nas quais ele recolheria o leite para o café da manhã dos integrantes
da comunidade e dos hóspedes. O boxer branco e uma cadelinha vestida para o
frio, namorada do boxer, contou Carlos, ajudariam a tocar as vacas para o pasto
depois do serviço pronto.
A mulher reunia
muitas informações obtidas em meio à limpeza da bosta e das tetas dos animais,
da ordenha e do retorno para o dormitório, onde teria uma hora para repousar o
corpo em descompasso com a mente. A frase do guardador das vacas resumia as
descobertas da madrugada e fora transmitida pelo Mestre Rinpoche: não importa o
trabalho que tu fazes, o que importa é o caminho que usas para fazê-lo.
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