FLORES TARDIAS
Alice distribuía
fotografias emolduradas pela parede da casa. Ela, menina na primeira comunhão;
ela, casando bela, com o vestido feito em São Paulo pela estilista de sua mãe;
também debutando no Clube Comercial, em bailes de carnaval com as amigas. Ela,
em viagens tantas com os filhos nos braços. Alice e seus vestidos impecáveis,
sua piteira e os leques vindos da Espanha. Alice, sentada no sofá, não cansava
de olhar as fotografias, fumando seu cigarro, um grande cinzeiro inox na sua
frente, bermuda vermelha, camiseta de propaganda das tintas Renner. As mãos
despidas, os olhos rasos. Quando um dos filhos entrava, apontava para a parede
e dizia rindo, "Para eu não esquecer de quem eu fui", como se
justificando.
Alice, na sua
solidão, às vezes perguntava aos filhos quem compareceria ao seu velório,
porque, afinal, não tinha mais amigos. Desde que perdera dinheiro e prestígio,
a campainha parou de tocar, o telefone emudeceu e quando tocava, ela dizia
direto: "Fala meu filho amado".
Os filhos riam.
Maria Isabel pegava na sua mão e dizia "Que preocupação mais sem
fundamento, preocupação póstuma", ela ria junto. Joaquim Francisco entrava
na brincadeira e dizia que o seu José da farmácia iria. Ela concordava meio
reticente, e completava: "talvez o Airton do armazém da esquina também, e
o seu Laurindo..." (Que sempre parava para conversar sobre o tempo
enquanto ela varria a calçada). Depois dizia: "Com vocês, minha nora, e
meu genro talvez mais algum parente vá, não é? E meus vizinhos. Acho que pode
chegar a quase dez pessoas." Depois limpava com a barra da camiseta uma
lágrima que a traíra.
Assim vivia os
dias, consumida pela doença e pela solidão. Os filhos ouviam, sem reclamar,
histórias repetidas, porque sabiam que ela precisava conversar, e deixavam os
netos com ela para que eles a aborrecessem e revirassem a casa para que ela
pudesse arrumar, e pedissem bala, para que ela tivesse que sair, desviando-a
assim da triste contemplação da mulher que foi e que a espiava dos retratos.
Na manhã da sua
morte, os corações aflitos dos filhos pulavam em seus peitos, e eles não sabiam
direito como começar as providências com a dor que traziam.
Escolheram um
caixão dentro de suas possibilidades financeiras. Maria Isabel lamentava,
queria um caixão mais pomposo; Joaquim Francisco dizia, chorando, que isso não
importava. Uma parente distante foi a primeira a chegar para oferecer-lhes um
protocolar abraço e perguntar, com alguma maldade, por que a capela estava
vazia. Logo alguém há de chegar, respondeu Maria Isabel, com os braços
enlaçando o caixão da mãe.
Um homem entrou
com uma coroa de rosas vermelhas, a coroa mais bonita que Isabel já vira na
vida. Isabel disse que talvez fosse engano, mas não era, e ele desceu com mais
duas, imensas. Logo, outro homem minguado desceu com mais e mais flores, e a
capela, tão pequena, a menorzinha que os filhos escolheram, lotou tanto que as
pessoas não caminhavam, os perfumes se confundiam, as roupas eram impecáveis,
os cabelos e as unhas das senhoras, tudo bonito. Muitas pessoas chegavam
abraçadas em ramalhetes de flores e o depositavam, lacrimejantes, em cima do
caixão. Eles poderiam jurar que era um engano se não fossem pessoas conhecidas.
A rua lotou, não havia mais lugar para estacionar carros. Maria Isabel não
conseguiu ficar ao lado do caixão da mãe quando ele foi conduzido ao túmulo,
tentava em vão atravessar a multidão. Quando enfim chegou perto de Joaquim, ela
o abraçou chorando e cochichou ao seu ouvido: a cidade inteira está aqui,
inteira!
À noite, Maria
Isabel quis amortecer a dor com um calmante e, sozinha na cama, falou alto com
os olhos encharcados: "Viste mãe? Pensaste que iriam menos de dez pessoas
ao teu velório, e foi o velório mais bonito, bem frequentado e florido que vi
na minha vida." Fechou os olhos para puxar a imagem da mãe sorrindo, mas
só o que conseguiu enxergar foi a mãe, de bermuda, fumando um cigarro barato e
contemplando o telefone mudo e os retratos.
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