sexta-feira, 22 de abril de 2016

A CASA DA MINHA PRIMA - Conto de Vera Ione Molina Silva (Uruguaiana, RS)

A CASA DA MINHA PRIMA

Eventualmente eu viajava setecentos quilômetros para a minha terra natal quando morava em Porto Alegre. A cidade era um pretexto para estar na casa da minha prima, uma casa onde só existiam personagens, comandada por uma mulher contadora de histórias.
Não uso as narrativas que ela generosamente cedeu para mim porque ela tem uma filha escritora e acho que a filha é a herdeira dessas tramas.
Mas o que vou contar agora aconteceu entre mim e a prima.
Já no final da vida, ela vivia recolhida ao quarto, então eu ficava muito lá dentro com ela, depois que voltei para Uruguaiana.
Ela estava deitada e eu cheguei com umas compras e uma revista publicada por uma farmácia.
Deitei ao lado da prima, abri a revista e vi sua unha pintada de vermelho apontando para uma fotografia: "Eu conheço este moço", ela me disse surpresa.
Olhei para ela, que ficou pensativa, e continuou: "Ele era meu colega na Filosofia e vivia brigando com os padres porque queria acrescentar outros filósofos na ementa do curso. Ele era ateu, era contra estudarmos só filósofos católicos. Chegou uma hora que ele cansou de discutir com os padres e me pediu para assinar os meus trabalhos.
Ele sumia tempos, até pela Rússia andou. Depois desistiu do curso, acho. Nunca mais vi o Sérgio. Sim era Sérgio o nome dele. Sergio Faraco."
Falei que sim, ele era um escritor muito conhecido, na minha opinião, o maior contista do Brasil.
Ela ficou pensativa e calada, perdida na enorme cama.

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