sexta-feira, 22 de abril de 2016

O ESPECTRO DA MORTE TRAVESTIDO DE RELIGIOSIDADE ATACOU O MUNDO - Crônica de Marcelo Meira (Rio de janeiro, RJ)

O ESPECTRO DA MORTE TRAVESTIDO DE RELIGIOSIDADE ATACOU O MUNDO

Humor e zombaria generalizada que se diferem, às vezes se confundem negativamente, em um discurso incorreto que depois pode acarretar invocações padronizadas as quais talvez, pelo momento vivido, não tragam à tona certas especificações que compõem o âmago da questão. É que a validade da sátira tem escala que vai do humor necessário ao irrefletido. O último quando propositadamente ofensivo é sórdido. E o necessário, assim é porque a exposição humorística contra radicalismos cola na retina das massas populares com maior memorização, propiciando daí mostrar o obscurantismo que vem prosperando pelo mundo afora. Ironias colocam em foco a estupidez radical, mas humor não existe quando radicalizado na afronta geral. Essencial o equilíbrio na distinção das aplicações do que possa ser charge ou sarcasmo. A liberdade de expressão deve prevalecer sem que seja utilizada para humilhar religiosos e símbolos que lhes são atinentes. Humor enfatiza certas situações lhes conferindo graça, mas não avilta. Todavia, não se pode querer banir a vida e o discurso como ocorreu com a revista francesa na ação terrorista. O rifle jamais vencerá a ideia absorvida na tinta do pensamento. As sátiras fazem parte do cotidiano e podem evidenciar a boçalidade do fundamentalismo radical.

Defendo o direito da revista de publicar sem ter massacrada sua redação. Há que se convir com a boa lógica do respeito aos princípios sérios que existem no mundo da vida, os quais não podem coexistir com nenhum discurso execrável ou discriminatório.

Uma revista ou um jornal retratam comunidades de opiniões diversas. Uma revista não nos representa inteiramente, mesmo que dizer “EU SOU CHARLIE” seja simbólico para destacar com alcance mais rápido o absurdo cometido. Existe uma diferença entre ISLÃ e terrorista islamista que não tem fronteiras. Assim como nem todo muçulmano compactua com ideias relativas à nova geração de Jihadistas ou das convicções do Estado Islâmico, assim sou a favor de CHARLIE ou das vítimas; não sou contra a inscrição “JE SUIS CHARLIE”, que propicia mostrar a incultura e não deixa relativizar o assassinato, mas não sou CHARLIE, pois a revista apesar de ser uma boa combatente no círculo em que está inserida, não me parece dentro de uma ordem racional que vez por outra, por conta de sua boa atuação, possa descer às raias da irreflexão para insultar. Eu sou “Ahmed” o policial executado de forma bárbara, deitado no chão e se rendendo com os braços levantados. Eu sou as vítimas e, mesmo que profissionais do periódico, as separo de algumas publicações, numa concepção maior de bens na humanidade, a qual independe de razões para quaisquer dos lados. Eu sou a prevalência da vida sem discussões de mérito porque de uma forma geral pode haver liberdade com vida, mas não haverá liberdade sem vida.


Limita-se o olhar quando se reduz esse ataque sofrido pelos jornalistas, na ideia mais propagada, à liberdade de expressão que deve ser preservada. Observe-se que algo além disso se apresenta. Um delito desse porte, no coração da França, terra que simboliza liberdade, igualdade, fraternidade e direitos humanos, carrega um emblema maior. O que está em jogo vai além e se configura então, dentre muito mais, porque irá se alastrar pelo que será representativo no decorrer desta centúria, porque se consubstancia em tentativa acirrada de dominação política e religiosa que se estende, com todos os seus meandros, pela terra em seus quatro cantos. O ataque foi a um complexo bem mais configurativo, foi ao mundo, à vida com todas as suas implicações, presentes, passadas e relativas ao novo século que agora, e ainda, está a gaguejar o futuro.

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