A
VIZINHA MORTE
Dois
anos inteiros ou mais, que o apartamento do prédio em frente, está fechado. É
uma cobertura sabidamente com piscina, desde então parada, provavelmente seca.
Na sua sacada, de seu lado sul, há um largo canteiro suspenso, sendo sua própria
murada. Exatamente acima deste mesmo lado, tem idêntico canteiro, na cobertura.
Dois anos inteiros ou mais, sem cuidados, nem podas, suas plantas de antes, se
tornaram mato, um mato alto, perto do céu. Regadas estritamente da água da
chuva, uma espécie de "chorão" vingou e cresceu. De longe chega a
lembrar uma samambaia, porém percebo que suas folhas não se dividem em
folíolos. Acabo supondo se tratar dos braços da Russélia mexicana, que caem de
um andar ao outro com sua vasta ramagem dançando ao sabor do vento. Fora isso,
ali nada mais se move, dois anos inteiros ou mais. As portas de correr do
apartamento não correm mais. Sempre a mesma cortina lisa e branca, impedindo a
luz e os olhos de entrarem. Como uma placa sem letras que diz: não há nada para
ver. Só o pó da rua entra sempre sem pedir. Creio que as sombras que acordam
com o sol vão se movendo sem derrubar nada até dominarem tudo com a noite. Nem
uma gota a pingar nem um relógio que não tem mais hora para tocar. Sua moradora
morreu naquele quarto andar do prédio em frente. Não resistiu trinta dias do
falecimento de sua mãe. Seu coração parou. Dá para dizer que seu coração
decidiu. Moradoras antigas da rua, não mais habitam a rua. De fato, moramos no
tempo. Sua mãe, vizinha, moradora da linda casa ao lado, contígua ao prédio,
gostava de seu jardim. Eu gostava de vê-la gostando de seu jardim. Precisa,
entre suas plantas e o jornal que ali era lançado, todas as manhãs. Disseram
pela rua, que o herdeiro do apartamento e provavelmente da casa é o filho-neto,
que não é filho do viúvo-genro. Sendo assim, o viúvo, fechou tudo e mudou seu
luto de endereço. Dois anos inteiros ou mais e só agora vejo alguém. Alguém,
que como eu, observa a rua de sua sacada. Reconheço o viúvo. Era grisalho e
agora está mais. Um pouco mais gordo também. Sempre pareceu tranquilo, agora,
parece um pouco mais pensativo. Está limpando, varrendo e podando. O vejo pelo
segundo dia consecutivo. De roupa esportiva, sem seu tradicional boné de
outrora. Saindo pelo portão do prédio, atravessa a rua na direção de seu auto.
Entra e o liga, vasculha coisas no banco do carona e sem pressa, faz o carro
vencer em silêncio a quadra, dobrando à direita e sumindo. Levou dois anos
inteiros ou mais para o apartamento da frente ser limpo. Agora novamente fechado.
Limpo, mas fora do tempo. Talvez, em breve, alguém o reclame. Resolvi não
comentar nem perguntar nada para ninguém da rua. Estou só observando e
esperando, a vizinha do vazio, do silêncio infinito, ir embora.
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