sexta-feira, 22 de abril de 2016

O PECADO DO ARISTEU - Conto de Dôra Borges (Cássia, MG)

O PECADO DO ARISTEU

Afastar-se do inferno era o desejo maior do Aristeu. A sua vida parecia tão simples e sem perigo que mal podia imaginar sequer chegar perto desse lugar.
Casado, e feliz com a sua Marieta, a cada ano via nascer mais um filho. A casa se enchia de alegria e de choro de crianças. Uma algazarra só.
Mas foi numa quinta-feira qualquer, subindo a ladeira do capim gordura, chutando pedrinhas e pitando o seu cigarro de palha, que ele se esbarrou com aquela rapariga esguia, morena, de olhar fulminante, a lhe pedir que acendesse o seu cigarro de papel, um “Charm” só. Meio sem jeito, mas gentil como sempre fora, não viu mal nenhum em fazer-lhe esse favor. Com um sorriso largo, realçado pelos dentes claros e o batom vermelho, a moça agradece com voz aveludada e sensual a gentileza do rapaz e sai desfilando com a sua minissaia preta, blusa de cetim azul turquesa, equilibrando em cima do salto da sua sandália amarela.
Naquela noite ele não conseguiu dormir. A imagem da bela morena, de seios fartos, transbordando pelo decote da blusa, não lhe saía da cabeça. Marieta estranhou a sua inquietação, mas não comentou.
No outro dia, ao voltar do trabalho, Aristeu continuou a chutar pedrinhas, mas agora na esperança de reencontrar a sua musa.
Mais um cigarro a acender... e assim foram transcorrendo as noites na subida da ladeira. Até que em uma delas, ele não resistiu aos encantos da moça e deixou Marieta e as crianças lhe esperando por algumas horas.
Foi uma loucura só! Um desejo guardado que explodiu em meio aos lençóis macios daquele quarto que ele nunca tinha entrado antes. Isadora! Esse era o seu nome. E que nome bonito! Ele repetia ao voltar para casa.
Como explicar a sua demora ao chegar? Nem carro tinha para dizer que havia estragado. Tentou inutilmente inventar outra desculpa qualquer, mas não conseguiu. Marieta, sua dedicada esposa, nem insistiu em saber, pois que já havia desconfiado sobre o “mundo da lua” em que ele vivia. As crianças já estavam dormindo.
No outro dia, ao sair para o trabalho, viu um tumulto na ladeira do capim gordura. Polícia e um monte de gente espiando. Chegou perto para ver e quase morreu de susto. Lá estava o corpo de Isadora, cravejado de balas.
Não sabia se chorava ou saía correndo. Era muito para aquela manhã...
Com as mãos no bolso, desceu a rua e, intuitivamente procurou pela sua carteira. Meu Deus! Não estava ali. Lembrou-se da última vez que a vira, na escrivaninha daquele quarto. Um arrepio subiu-lhe pela espinha.
Sentiu que algo de muito ruim estava por vir. Quando chegou ao final da rua, uma viatura de polícia o esperava.

Aristeu foi algemado e levado para o inferno.

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