—
Como se chama o senhor?
—
Mate… Augusto Mate.
—
Muito bem! Senhor Mate, conhece a pessoa que está sentada ao seu lado?
—
Conheço, sim! É o jornaleiro que se instalou defronte do edifício em que
trabalho.
—
Pois bem, senhor Mate! Este jornaleiro acusa-o de tentar estrangulá-lo. Tem
algo a dizer sobre as alegações que pesam sobre si?
—
Seu polícia, eu tentei estrangulá-lo, sim! Mas fi-lo por justa causa…
—
Queira ser específico, senhor Mate!
—
Hoje, despertei relativamente tarde que fui trabalhar sem tomar café.
Pouco
antes da hora do almoço, durante uma reunião que houve no serviço, de tudo
quanto se dissera, o que eu ouvi foi:
«nacos
de frango»; «omelete»; «peixe no envelope com camarão»…
Nesta
reunião o meu contributo foi nulo, pois a fome era tanta que, literalmente,
devorava-me as ideias…
—
Prossiga, senhor Mate, que eu sou todo ouvidos.
—
Então… Quando finalmente chegou a hora do almoço, dirigi-me à minha casa, como
de costume.
Porém,
para a minha infelicidade, ao lá chegar, o almoço ainda não havia sido
confeccionado. A minha esposa, no quintal, com uma faca na mão, estava ainda a
perseguir a galinha.
Ela
desculpou-se pelo facto de não ter preparado nada para mim, pois, conforme
informou-me, ela estava a perseguir aquele caril fazia mais de duas horas.
«Na
hora de comerem a minha ração, essas desgraçadas fazem até fila, mas quando
chamadas a cumprirem o seu propósito (que é se tornarem prato), elas põem-se em
debandada.» — comentei com ela, bastante furioso.
Uma
vez que a minha fome era tanta que eu não me sustinha, procurei saber se da
refeição do dia anterior não havia sobrado nada.
A
minha esposa respondeu-me que sobrara a feijoada, todavia ela tinha-se
deteriorado em razão dos cortes frequêntes de energia a que a EDM nos têm
sujeitado.
Com
o período do almoço já se esgotando, sem alternativas, arrisquei duas garfadas
daquela feijoada… Mais, não podia. O fedor à podridão era tão forte que a minha
fome se enjoara e sumira. Até o meu cachoro recusou-se a comer as salsichas que
sobraram do meu prato.
—
Vou pedir-lhe, senhor Mate, que se atenha aos factos. Estamos a falar aqui de
tentativa de estrangulamento. Até aqui, o senhor não fez senão dar aulas de
culinária!
—
Está bem, seu Polícia, tentarei ser sucinto.
…
À caminho do serviço, comprei umas chicletes pra combater o bafo à conta da
feijoada. Devido à fome, confesso, cheguei a engolir algumas.
Já
no serviço, um colega meu que me vira a mascar, perguntou-me o que eu estava a
comer. Eu mal abri a minha boca pra lhe falar que estava a mascar, quando ele
levou a própria mão ao seu nariz e concluiu que eu estava a comer merda.
Por
conseguinte, dirigi-me aos balneários para proceder à higiene bucal, onde, por
instantes, dei comigo a ingerir a pasta dentífrica.
—
Meu senhor, pule para a parte em que o senhor estrangula a vítima, que não
tenho o dia todo!
—
Gostaria, seu polícia, de apelar à sua paciência, haja vista estes detalhes a
que faço menção terem papel de relevo no ajuizamento deste caso…
—
Prossiga!
—
Pois então, estonteado; boca seca; estômago oco e grudadado nas costas,
arrastei-me escritório afora ao encontro do jornaleiro.
Chegado
a si, saudei-lhe e procurei saber se ele já havia almoçado, tendo ele
desabafado que enquanto houvesse papel higiénico, ninguém mais compraria o
jornal «notícias».
Eu
estava faminto, porém não me podia ausentar por muito tempo do escritório; o
jornaleiro estava igualmente faminto, mas ninguém lhe compraria jornais, pelas
razões que ela avançara, foi então que eu dei-lhe dinheiro e pedi que trouxesse
da pastelaria mais próxima, dois hambúrgueres, um para cada um de nós.
Cada
minuto de espera, parecia-me uma eternidade. Cheguei até a cogitar a hipótese
da salpicar e degustar alguns palitos enquanto o ardina não retornasse. Só não
o fiz porque na copa já não os havia.
Quando
eu estava prestes a falecer, eis que o agente de segurança do escritório me
informa que o ardina aguardava por mim na entrada.
Apesar
da rouquidão do segurança, as suas revigorantes palavras soaram-me a música
para os meus ouvidos.
Sem
delongas, parti ao encontro do ardina como que um cão atrás dum osso.
Quando
cheguei a si, ele estava a saborear um majestoso e suculento hambúrguer, e eu
com um sorriso de orelha a orelha, perguntei-lhe onde estava o meu hambúrguer.
Ele
deu mais uma trincadela no hambúrguer, uma bastante generosa; devolveu-me os
trocos e ainda de boca cheia me disse:
«Lamento,
meu senhor; mas só havia sobrado um!»
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