sexta-feira, 22 de abril de 2016

INSÓLITO - por Augusto Mate (Maputo, Moçambique)




— Como se chama o senhor?
— Mate… Augusto Mate.
— Muito bem! Senhor Mate, conhece a pessoa que está sentada ao seu lado?
— Conheço, sim! É o jornaleiro que se instalou defronte do edifício em que trabalho.
— Pois bem, senhor Mate! Este jornaleiro acusa-o de tentar estrangulá-lo. Tem algo a dizer sobre as alegações que pesam sobre si?
— Seu polícia, eu tentei estrangulá-lo, sim! Mas fi-lo por justa causa…
— Queira ser específico, senhor Mate!
— Hoje, despertei relativamente tarde que fui trabalhar sem tomar café.
Pouco antes da hora do almoço, durante uma reunião que houve no serviço, de tudo quanto se dissera, o que eu ouvi foi:
«nacos de frango»; «omelete»; «peixe no envelope com camarão»…
Nesta reunião o meu contributo foi nulo, pois a fome era tanta que, literalmente, devorava-me as ideias…
— Prossiga, senhor Mate, que eu sou todo ouvidos.
— Então… Quando finalmente chegou a hora do almoço, dirigi-me à minha casa, como de costume.
Porém, para a minha infelicidade, ao lá chegar, o almoço ainda não havia sido confeccionado. A minha esposa, no quintal, com uma faca na mão, estava ainda a perseguir a galinha.
Ela desculpou-se pelo facto de não ter preparado nada para mim, pois, conforme informou-me, ela estava a perseguir aquele caril fazia mais de duas horas.
«Na hora de comerem a minha ração, essas desgraçadas fazem até fila, mas quando chamadas a cumprirem o seu propósito (que é se tornarem prato), elas põem-se em debandada.» — comentei com ela, bastante furioso.
Uma vez que a minha fome era tanta que eu não me sustinha, procurei saber se da refeição do dia anterior não havia sobrado nada.
A minha esposa respondeu-me que sobrara a feijoada, todavia ela tinha-se deteriorado em razão dos cortes frequêntes de energia a que a EDM nos têm sujeitado.
Com o período do almoço já se esgotando, sem alternativas, arrisquei duas garfadas daquela feijoada… Mais, não podia. O fedor à podridão era tão forte que a minha fome se enjoara e sumira. Até o meu cachoro recusou-se a comer as salsichas que sobraram do meu prato.
— Vou pedir-lhe, senhor Mate, que se atenha aos factos. Estamos a falar aqui de tentativa de estrangulamento. Até aqui, o senhor não fez senão dar aulas de culinária!
— Está bem, seu Polícia, tentarei ser sucinto.
… À caminho do serviço, comprei umas chicletes pra combater o bafo à conta da feijoada. Devido à fome, confesso, cheguei a engolir algumas.
Já no serviço, um colega meu que me vira a mascar, perguntou-me o que eu estava a comer. Eu mal abri a minha boca pra lhe falar que estava a mascar, quando ele levou a própria mão ao seu nariz e concluiu que eu estava a comer merda.
Por conseguinte, dirigi-me aos balneários para proceder à higiene bucal, onde, por instantes, dei comigo a ingerir a pasta dentífrica.
— Meu senhor, pule para a parte em que o senhor estrangula a vítima, que não tenho o dia todo!
— Gostaria, seu polícia, de apelar à sua paciência, haja vista estes detalhes a que faço menção terem papel de relevo no ajuizamento deste caso…
— Prossiga!
— Pois então, estonteado; boca seca; estômago oco e grudadado nas costas, arrastei-me escritório afora ao encontro do jornaleiro.
Chegado a si, saudei-lhe e procurei saber se ele já havia almoçado, tendo ele desabafado que enquanto houvesse papel higiénico, ninguém mais compraria o jornal «notícias».
Eu estava faminto, porém não me podia ausentar por muito tempo do escritório; o jornaleiro estava igualmente faminto, mas ninguém lhe compraria jornais, pelas razões que ela avançara, foi então que eu dei-lhe dinheiro e pedi que trouxesse da pastelaria mais próxima, dois hambúrgueres, um para cada um de nós.
Cada minuto de espera, parecia-me uma eternidade. Cheguei até a cogitar a hipótese da salpicar e degustar alguns palitos enquanto o ardina não retornasse. Só não o fiz porque na copa já não os havia.
Quando eu estava prestes a falecer, eis que o agente de segurança do escritório me informa que o ardina aguardava por mim na entrada.
Apesar da rouquidão do segurança, as suas revigorantes palavras soaram-me a música para os meus ouvidos.
Sem delongas, parti ao encontro do ardina como que um cão atrás dum osso.
Quando cheguei a si, ele estava a saborear um majestoso e suculento hambúrguer, e eu com um sorriso de orelha a orelha, perguntei-lhe onde estava o meu hambúrguer.
Ele deu mais uma trincadela no hambúrguer, uma bastante generosa; devolveu-me os trocos e ainda de boca cheia me disse:

«Lamento, meu senhor; mas só havia sobrado um!»

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