sexta-feira, 22 de abril de 2016

OLHOS DE JABUTICABA - Conto de Jacy Laranjeira (Salvador, BA)

OLHOS DE JABUTICABA

Em sua cabeça acelerada- a calma somente repousava no dorso do menino. Molhado de suor ou de rio- ele fechava os olhos enquanto ela contava os sinais do seu corpo sem pelos. Ela cheirava a pele sem perfume só para guardar na memória a lembrança de como era cheirar uma pele sem nada. Ele a olhava com olhos de jabuticaba- sinceros espelhos- sem dizer uma palavra. Ela percorria as linhas dos ombros dele imaginando gravar cada sarda.
O seu dedo percorrendo o dorso era a máquina fotográfica da sua lembrança.
Ela não imaginava o que ele sentia- ela ficava zangada sem uma palavra- ela não sabia esperar- ela não sabia ver que naquele olhar de jabuticaba morava um espelho- a subordinação ao toque- ao carinho. A sinceridade de não dizer nada era o seu amor por ele- guardado no momento dos dois parados.
Ela não sabia ler com os olhos- assim como ele olhava. E sem calma- brava- nasceu a tormenta- a separação- o recado enviesado da danação. Olhares trocados de raiva e de irritação.
E na lembrança- tatuada pelos seus dedos- a razão pela qual ele se calava deitado no chão. Ele se entregava à máquina fotográfica- ela tinha tudo em suas mãos. O poder da sensação dos dedos percorrendo um dorso sem pelos- sem nada. Mas ela não imaginava- não conseguia ver no espelho de jabuticaba.
Teimosa- queria uma palavra!

Então acabou sozinha- ainda não sabia a diferença entre imagem e palavra. Levantou do chão e foi embora sem pele- sem palavras e sem ele. Somente depois de muitos anos aprenderia a ler o olhar da jabuticaba.

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