sexta-feira, 22 de abril de 2016

TALVEZ - por Gilka Coimbra (Uruguaiana, RS)



...talvez eu fosse, hoje, uma mulher melhor. Não, não pensa que estou falando em ser melhor como mãe, profissional ou amiga. Nisso até que me saio bem. Tenho boas relações de amizade e sinto que as pessoas em geral gostam de estar comigo. Quanto aos filhos, não tenho dúvidas, amei-os com tudo que sou. Falo isso porque contigo o tempo foi escasso, deixou uma cara de ausência e ficou superficial. Sempre soube que não me pertencias por inteiro. O que nunca entendi é essa sensação de culpa. Não me pergunta de quê, não tenho clareza. Fiz alguma coisa errada? Talvez. Não lembro, por mais que me esforce, não lembro. Vai ver esqueci e, por isso, essa sensação ruim, presa, como se fosse uma segunda pele. Agora, estou eu aqui e, por mais que te pergunte, continuo sem respostas. Minha amiga aconselhou análise. Será? Vou ouvir o quê? Pelo que sei, os analistas não falam. Portanto, vou ter que falar comigo mesma em voz alta. Como quem conta história. Histórias próprias e aí uma coisa puxa a outra e outra e outra... Igual a quem não resiste e fica sempre mexendo na casquinha da ferida, deixando cada vez mais exposta e mais ardida. Quando eu era pequena, mexi tanto numa ferida, que custou a cicatrizar. Lembro bem do que me dizias – vais abrir um buraco tão grande que corres o risco de cair aí dentro – e eu pensava – não quero cair nesse lugar feio. Não sei por que me lembrei disso agora. Viu? É assim que começa. Diz a minha amiga que o processo todo é por associação de idéias. Como puxar a ponta de um fio. Só que eu queria que tu puxasses o fio para me libertar. Mas, aí estás. Prisioneiro de teu próprio corpo, confinado a esta cama, preso a imobilidade e ao silêncio de tua invalidez. O abandono do teu amor está grudado em mim... Talvez, eu tenha mesmo que falar sozinha para me escutar, para ser uma mulher melhor. Mas vou correr o risco de esquecer a culpa - esse fiozinho que te faz presente – só para eu não te perder de vez. Por enquanto, pai, eu continuo aqui.

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