...talvez
eu fosse, hoje, uma mulher melhor. Não, não pensa que estou falando em ser
melhor como mãe, profissional ou amiga. Nisso até que me saio bem. Tenho boas
relações de amizade e sinto que as pessoas em geral gostam de estar comigo.
Quanto aos filhos, não tenho dúvidas, amei-os com tudo que sou. Falo isso
porque contigo o tempo foi escasso, deixou uma cara de ausência e ficou superficial.
Sempre soube que não me pertencias por inteiro. O que nunca entendi é essa
sensação de culpa. Não me pergunta de quê, não tenho clareza. Fiz alguma coisa
errada? Talvez. Não lembro, por mais que me esforce, não lembro. Vai ver
esqueci e, por isso, essa sensação ruim, presa, como se fosse uma segunda pele.
Agora, estou eu aqui e, por mais que te pergunte, continuo sem respostas. Minha
amiga aconselhou análise. Será? Vou ouvir o quê? Pelo que sei, os analistas não
falam. Portanto, vou ter que falar comigo mesma em voz alta. Como quem conta
história. Histórias próprias e aí uma coisa puxa a outra e outra e outra...
Igual a quem não resiste e fica sempre mexendo na casquinha da ferida, deixando
cada vez mais exposta e mais ardida. Quando eu era pequena, mexi tanto numa
ferida, que custou a cicatrizar. Lembro bem do que me dizias – vais abrir um
buraco tão grande que corres o risco de cair aí dentro – e eu pensava – não
quero cair nesse lugar feio. Não sei por que me lembrei disso agora. Viu? É
assim que começa. Diz a minha amiga que o processo todo é por associação de
idéias. Como puxar a ponta de um fio. Só que eu queria que tu puxasses o fio
para me libertar. Mas, aí estás. Prisioneiro de teu próprio corpo, confinado a
esta cama, preso a imobilidade e ao silêncio de tua invalidez. O abandono do
teu amor está grudado em mim... Talvez, eu tenha mesmo que falar sozinha para
me escutar, para ser uma mulher melhor. Mas vou correr o risco de esquecer a
culpa - esse fiozinho que te faz presente – só para eu não te perder de vez.
Por enquanto, pai, eu continuo aqui.
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