O
SALTO
Não
me recordo de meus pais. Na verdade, desde que me lembro a minha memória sempre
foi muito curta. Mal recordo da última vez que comi.
Sei
que já dei a volta ao mundo, ou pelo menos ao meu mundo, umas cem vezes, ou
teriam sido mil?
Algumas
imagens surreais são recorrentes: Um escafandrista. Um baú. Um polvo.
Por
vezes o som de batidas ecoa em meus ouvidos. Fico tonto, perco a direção.
Vejo
meu reflexo num espelho e brigo comigo.
A
monotonia do comer, rodar, comer, rodar, comer, rodar, deixa meus nervos à flor
da pele.
Já
estou cansado dessa vida. Não tenho um oponente, não tenho amigos, não tenho
uma fêmea para me confortar.
E
então, meu instinto me fez descer até o fundo.
Senti
a aspereza das pedras em meu corpo.
Subi
a toda velocidade e saltei.
Senti
o ar, mas o oxigênio desapareceu.
Era
mais alto do que imaginava. Não conseguia respirar. Mas o ar fresco, em contato
com meu corpo, me trouxe uma sensação contraditória de prazer e medo.
O
salto. A queda. O baque no chão duro.
Ainda
me debati uma, duas, três vezes. Já não respirava mais.
Desprendi-me
de meu corpo. Olhava-me de cima e via um ser inerte, colorido e patético
estatelado no piso marrom.
Tornei-me
mais um número nas estatísticas dos peixes Betta suicidas.
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