A
RUA DA MINHA INFÂNCIA
A
primavera trazia flores e sol e uvas e os casacos iam para os baús dos avós com
sacos de naftalina e nós corríamos com os pés descalços, melávamos as mãos com
laranjas e doces de tacho. Banhávamos os cachorros com água fria e sabão de
coco, comprávamos vestidos com estampas coloridas e chapeuzinhos de lona. As
sorveterias abriam as portas e os velhos sentavam na calçada com suas cadeiras
preguiçosas. As formigas faziam suas procissões, a dama da noite que vovó
plantou perfumava todo o quarteirão e o jasmineiro cobria-se de florzinhas
brancas e amarelas e vovó não gostava, pois dizia que tinham cheiro de
cemitério. Patinetes, bicicletas, bolas enormes de plástico colorido, uni duni
te, salame mingúe, ovo choco, ta fedendo, samba crioula que veio da Bahia pega
essa criança e joga na bacia; Mamãe gritando para que fôssemos jantar. A bacia
é de ouro... A comida está esfriando! Um, dois, três, quatro, aí vou eu, quem
não se escondeu, morreu! A rua da minha infância segue a mesma. No lugar do
casarão do meu bisavô, um edifício azul. No lugar dos ranchos de madeira onde
comíamos bolos de laranja e café com leite, um centro comercial. O armazém da
esquina com suas balas de goma e fumo em rama, uma quadra de futebol, mas a rua
segue a mesma. Uns morrem, outros nascem, uns partem e existem os que ficaram
também e a dama da noite ainda perfuma todo o quarteirão, então, os que ficaram
sentem saudades.
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