sexta-feira, 22 de abril de 2016

A RUA DA MINHA INFÂNCIA - Crônica de Valéria Surreaux (Uruguaiana, RS)

A RUA DA MINHA INFÂNCIA


A primavera trazia flores e sol e uvas e os casacos iam para os baús dos avós com sacos de naftalina e nós corríamos com os pés descalços, melávamos as mãos com laranjas e doces de tacho. Banhávamos os cachorros com água fria e sabão de coco, comprávamos vestidos com estampas coloridas e chapeuzinhos de lona. As sorveterias abriam as portas e os velhos sentavam na calçada com suas cadeiras preguiçosas. As formigas faziam suas procissões, a dama da noite que vovó plantou perfumava todo o quarteirão e o jasmineiro cobria-se de florzinhas brancas e amarelas e vovó não gostava, pois dizia que tinham cheiro de cemitério. Patinetes, bicicletas, bolas enormes de plástico colorido, uni duni te, salame mingúe, ovo choco, ta fedendo, samba crioula que veio da Bahia pega essa criança e joga na bacia; Mamãe gritando para que fôssemos jantar. A bacia é de ouro... A comida está esfriando! Um, dois, três, quatro, aí vou eu, quem não se escondeu, morreu! A rua da minha infância segue a mesma. No lugar do casarão do meu bisavô, um edifício azul. No lugar dos ranchos de madeira onde comíamos bolos de laranja e café com leite, um centro comercial. O armazém da esquina com suas balas de goma e fumo em rama, uma quadra de futebol, mas a rua segue a mesma. Uns morrem, outros nascem, uns partem e existem os que ficaram também e a dama da noite ainda perfuma todo o quarteirão, então, os que ficaram sentem saudades.

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