sexta-feira, 22 de abril de 2016

MINHAS DORES - Crônica de Jacy Laranjeira (Salvador, BA)

MINHAS DORES


Ele se manda levantar! Li isso no livro “Textos para Nada” de Beckett. Ele se manda levantar e ir- mas o corpo não obedece- então ele grita...
Bem familiar essa culpa por lamuriar. Culpa- se pela própria ladainha e pela própria queixa afundando no limo da sua culpa. Ele se afoga na própria dor- funde- se com ela... Como fui tola ao acreditar que só eu sentia essa coisa que pesa- que um EU pode ser fardo... Isso é coisa de escritor? Ouviria claramente... "de quem não tem o que fazer- isto sim!". Não sei mais até quanto ele vai conseguir me diminuir. Ah! Ele? A pergunta.
Essa vida sem sentido- o corpo separado. Tem momentos em que a dor é tão grande que você fala com o seu pé:- Pé- por favor, me ajude!
É uma dor com solidão essa de conversar com o pé (talvez o formato). Não é simplesmente só falar- você implora assim:- Pé- me ajude a ir ao banheiro- só um passo!
Eu mesma já fiz xixi em mim porque meus pés estavam parados. Os meus pés não me ajudaram. As minhas mãos me ajudaram. Elas me arrastaram até o box- a dor de falar com a mão falou: - Afasta essa barata da minha boca, por favor? Aí a mão deu um peteleco na barata. Mas a dor de falar com a mão não é a mesma dor de falar com o pé. A dor de falar com a mão é dominadora- é uma dor com menos solidão e maior domínio- é uma dor menos doída. A dor que fala com o pé é paralisante.
Eu senti muitas dores. Eu amo as minhas dores e elas são minhas amigas. Elas me vivem- com elas sei que estou. Sim, Eu falo com elas como o menininho do Sexto- sentido fala com gente morta. E daí?
No momento a minha dor fala com a minha cabeça. Essa é uma dor boa- sã. As piores são as dores que falam com os pés e com os olhos. A dor que fala com os olhos... Essa enlouquece. O seu olho fixa em um ponto e você perde a consciência- não pode mais falar com o seu olho- ele deixa de ser seu- estando pregado na sua cara- e você não sente mais nada. Você vai vendo sem o seu olho a sua consciência apagar ao tempo em que nessa medida do tempo de ir vendo... você não sente mais dor- nem o que vê- não sabe mais o que pensa. Puff! Desaparece estando lá.
Ah! A dor corporal? Essa é a dor que fala com o seu corpo estilo atropelado- é uma dor que invade- inflama- você não deixa de ser carne- essa dor? Analista ama dizer que gozamos dela. Eu? Com certeza absoluta!
A dor que fala com os olhos? Não queira sentir. Ela não dói assim! Ela é nada. A dor que fala com os olhos te transforma em nada.
Não é difícil descrever dores se você foi ou é dor. Isso também é escolha e ninguém precisa sentir pena. É fácil descrever a dor se você consegue sentir com ela- se ela é o seu meio para estar no mundo. É isso que eu quero falar.
Acho que comecei a entender coisas que eu não entendo quando me explicam. Não entendo porque eu sei. Eu só consigo saber quando eu sinto. Só isso! Não existe drama nisso. Queria tanto que alguém se orgulhasse de mim! Minha ex- gerente me chamava "minha Marlene"- isso não é orgulho- isso é querer bem. Penso muito mal de mim por desejar reconhecimento- de nem sei o quê- com medo desse desejo ser vaidade. Mas ser humilde demais também não é vaidade? Coisa de cristão.
Você já se olhou no espelho e falou: - Você consegue! Assim- sem nenhuma convicção? - Malu vamos- você consegue! Claro que eu não queria conseguir nada. Essa é a dor que fala com o estômago. Essa dor tem nome. Essa dor que fala com o estômago e te divide não é igual à dor que fala com os pés- com as mãos- muito menos igual à dor que fala com os olhos- essa dor que fala com o estômago é a ANGÚSTIA. Fico chateada porque tudo vira angústia- e isso não é verdade. É a dor que fala com o estômago e com a glote é que são ANGÚSTIA. Ela é "esmurrante". Dor boxe. Tá- claro que tem dois tipos. A dor angústia que fala com o estômago e a dor angústia que fala com a sua glote. Essa dor angústia que fala com a glote? Ela aperta.
Repare- se você consegue ir até o espelho falar com você mesmo e ainda se culpa por deleitar- se em seus olhos vermelhos de chorar- essa é a dor angústia que só fala com o estômago. Se a dor angústia que fala com a glote aparece... Xi... Você tem dois caminhos: Ou pega a faca e se corta- ou conta a respiração.
Isso é lógica- veja:
Quando a dor angustia que fala com a glote apertar- você vai precisar de ar. Aí vem o desespero. Não tem jeito- você passa ao ato porque precisa respirar- como cortar a glote para respirar pode te matar- e na verdade você não quer se matar- você somente quer parar a dor- faz- se um talho. Você abre um buraco. Ver o sangue é a própria respiração- é ar em cima de você como sair de um avião em Genebra nevando... É uma coisa indescritível de boa. Isso não é aterrador- isso é libertador. Mas não se pode falar porque dizem que não é um caminho saudável. Para mim a única coisa estranha é o adulto que se assusta com isso. Não um adulto que se assusta ao ir para o cinema... Essa aí foi a dor angústia do estômago... Não consegui ficar para ver o filme de Dr. Marcelo. Se aparecesse a dor angústia da glote eu teria me cortado.
Já respirei muito com cortes. Já me livrei muito da dor angústia que fala com a glote assim. Vou repetir: A pior dor é a que fala com os olhos. Essa é a pior de todas. Você é nada- sem olhos seus em sua cara- é um olho que olha de cima estando colado na sua cara- é uma dor que fala com olho e diz:- Se mate porque você não significa nem nada.
Ela é assustadora! Insana- voraz e sem consciência. Por isso a dor angústia que fala com o estômago e a dor angústia que fala com a glote não são ruins. Elas te vivem- você se sente. A dor que fala com os pés e com as mãos são umas lindas- ali você existe! É tão óbvio.
A dor que fala com os olhos é uma coisa absurda. Você sai do corpo sem sair- sem controle de ser quem você é- você dilui e vê de cima- você olha sem você- vira nada ali- a dor abstrata. É ela que te mata em vida. A visão de cima de não ser- de fazer sem alma- você se sente parado no mesmo tempo em que se vê em ato.
A dor que fala com a glote é minha amiga. Ficou né? Não queria me largar- aí eu a deixeiela ficar. Assim: eu deito na cama abraçada com a dor que fala com o estômago e a dor da glote que fala comigo diz: - Olha calma! Respira!
Eu ponho dois travesseiros altos para acomodar a minha cabeça e as minhas costas- abraço a dor que fala com a cabeça e a dor que fala com o estômago e conto. Eu conto a minha respiração: 1- 2-3-4-5-6-7... até me acalmar. Às vezes eu mesma falo:- Já vai passar. Intercalo com "calma" e "só mais um pouquinho que passa".
É assim! Simples. A dor que fala com olho... É. Eu sei. Isso sou eu conversando com a dor que fala com a cabeça- ta?

A dor que fala com os olhos... Essa eu não quero sentir. Ela não me vive. Cada um encontra um caminho. Sinto-me viva com as minhas dores. Mas essa dor que fala com o olho não me vive- e eu sei será ela que vai me levar daqui.

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