MINHAS
DORES
Ele
se manda levantar! Li isso no livro “Textos para Nada” de Beckett. Ele se manda
levantar e ir- mas o corpo não obedece- então ele grita...
Bem
familiar essa culpa por lamuriar. Culpa- se pela própria ladainha e pela
própria queixa afundando no limo da sua culpa. Ele se afoga na própria dor-
funde- se com ela... Como fui tola ao acreditar que só eu sentia essa coisa que
pesa- que um EU pode ser fardo... Isso é coisa de escritor? Ouviria
claramente... "de quem não tem o que fazer- isto sim!". Não sei mais
até quanto ele vai conseguir me diminuir. Ah! Ele? A pergunta.
Essa
vida sem sentido- o corpo separado. Tem momentos em que a dor é tão grande que
você fala com o seu pé:- Pé- por favor, me ajude!
É
uma dor com solidão essa de conversar com o pé (talvez o formato). Não é
simplesmente só falar- você implora assim:- Pé- me ajude a ir ao banheiro- só
um passo!
Eu
mesma já fiz xixi em mim porque meus pés estavam parados. Os meus pés não me
ajudaram. As minhas mãos me ajudaram. Elas me arrastaram até o box- a dor de
falar com a mão falou: - Afasta essa barata da minha boca, por favor? Aí a mão
deu um peteleco na barata. Mas a dor de falar com a mão não é a mesma dor de
falar com o pé. A dor de falar com a mão é dominadora- é uma dor com menos
solidão e maior domínio- é uma dor menos doída. A dor que fala com o pé é
paralisante.
Eu
senti muitas dores. Eu amo as minhas dores e elas são minhas amigas. Elas me
vivem- com elas sei que estou. Sim, Eu falo com elas como o menininho do Sexto-
sentido fala com gente morta. E daí?
No
momento a minha dor fala com a minha cabeça. Essa é uma dor boa- sã. As piores
são as dores que falam com os pés e com os olhos. A dor que fala com os
olhos... Essa enlouquece. O seu olho fixa em um ponto e você perde a
consciência- não pode mais falar com o seu olho- ele deixa de ser seu- estando
pregado na sua cara- e você não sente mais nada. Você vai vendo sem o seu olho
a sua consciência apagar ao tempo em que nessa medida do tempo de ir vendo...
você não sente mais dor- nem o que vê- não sabe mais o que pensa. Puff!
Desaparece estando lá.
Ah!
A dor corporal? Essa é a dor que fala com o seu corpo estilo atropelado- é uma
dor que invade- inflama- você não deixa de ser carne- essa dor? Analista ama
dizer que gozamos dela. Eu? Com certeza absoluta!
A
dor que fala com os olhos? Não queira sentir. Ela não dói assim! Ela é nada. A
dor que fala com os olhos te transforma em nada.
Não
é difícil descrever dores se você foi ou é dor. Isso também é escolha e ninguém
precisa sentir pena. É fácil descrever a dor se você consegue sentir com ela-
se ela é o seu meio para estar no mundo. É isso que eu quero falar.
Acho
que comecei a entender coisas que eu não entendo quando me explicam. Não
entendo porque eu sei. Eu só consigo saber quando eu sinto. Só isso! Não existe
drama nisso. Queria tanto que alguém se orgulhasse de mim! Minha ex- gerente me
chamava "minha Marlene"- isso não é orgulho- isso é querer bem. Penso
muito mal de mim por desejar reconhecimento- de nem sei o quê- com medo desse
desejo ser vaidade. Mas ser humilde demais também não é vaidade? Coisa de
cristão.
Você
já se olhou no espelho e falou: - Você consegue! Assim- sem nenhuma convicção?
- Malu vamos- você consegue! Claro que eu não queria conseguir nada. Essa é a
dor que fala com o estômago. Essa dor tem nome. Essa dor que fala com o
estômago e te divide não é igual à dor que fala com os pés- com as mãos- muito
menos igual à dor que fala com os olhos- essa dor que fala com o estômago é a
ANGÚSTIA. Fico chateada porque tudo vira angústia- e isso não é verdade. É a
dor que fala com o estômago e com a glote é que são ANGÚSTIA. Ela é
"esmurrante". Dor boxe. Tá- claro que tem dois tipos. A dor angústia
que fala com o estômago e a dor angústia que fala com a sua glote. Essa dor
angústia que fala com a glote? Ela aperta.
Repare-
se você consegue ir até o espelho falar com você mesmo e ainda se culpa por
deleitar- se em seus olhos vermelhos de chorar- essa é a dor angústia que só
fala com o estômago. Se a dor angústia que fala com a glote aparece... Xi...
Você tem dois caminhos: Ou pega a faca e se corta- ou conta a respiração.
Isso
é lógica- veja:
Quando
a dor angustia que fala com a glote apertar- você vai precisar de ar. Aí vem o
desespero. Não tem jeito- você passa ao ato porque precisa respirar- como
cortar a glote para respirar pode te matar- e na verdade você não quer se
matar- você somente quer parar a dor- faz- se um talho. Você abre um buraco.
Ver o sangue é a própria respiração- é ar em cima de você como sair de um avião
em Genebra nevando... É uma coisa indescritível de boa. Isso não é aterrador-
isso é libertador. Mas não se pode falar porque dizem que não é um caminho
saudável. Para mim a única coisa estranha é o adulto que se assusta com isso.
Não um adulto que se assusta ao ir para o cinema... Essa aí foi a dor angústia
do estômago... Não consegui ficar para ver o filme de Dr. Marcelo. Se
aparecesse a dor angústia da glote eu teria me cortado.
Já
respirei muito com cortes. Já me livrei muito da dor angústia que fala com a
glote assim. Vou repetir: A pior dor é a que fala com os olhos. Essa é a pior
de todas. Você é nada- sem olhos seus em sua cara- é um olho que olha de cima
estando colado na sua cara- é uma dor que fala com olho e diz:- Se mate porque
você não significa nem nada.
Ela
é assustadora! Insana- voraz e sem consciência. Por isso a dor angústia que
fala com o estômago e a dor angústia que fala com a glote não são ruins. Elas
te vivem- você se sente. A dor que fala com os pés e com as mãos são umas
lindas- ali você existe! É tão óbvio.
A
dor que fala com os olhos é uma coisa absurda. Você sai do corpo sem sair- sem
controle de ser quem você é- você dilui e vê de cima- você olha sem você- vira
nada ali- a dor abstrata. É ela que te mata em vida. A visão de cima de não
ser- de fazer sem alma- você se sente parado no mesmo tempo em que se vê em
ato.
A
dor que fala com a glote é minha amiga. Ficou né? Não queria me largar- aí eu a
deixeiela ficar. Assim: eu deito na cama abraçada com a dor que fala com o
estômago e a dor da glote que fala comigo diz: - Olha calma! Respira!
Eu
ponho dois travesseiros altos para acomodar a minha cabeça e as minhas costas-
abraço a dor que fala com a cabeça e a dor que fala com o estômago e conto. Eu
conto a minha respiração: 1- 2-3-4-5-6-7... até me acalmar. Às vezes eu mesma
falo:- Já vai passar. Intercalo com "calma" e "só mais um
pouquinho que passa".
É
assim! Simples. A dor que fala com olho... É. Eu sei. Isso sou eu conversando
com a dor que fala com a cabeça- ta?
A
dor que fala com os olhos... Essa eu não quero sentir. Ela não me vive. Cada um
encontra um caminho. Sinto-me viva com as minhas dores. Mas essa dor que fala
com o olho não me vive- e eu sei será ela que vai me levar daqui.
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