sexta-feira, 22 de abril de 2016

ALGUMAS IMPRESSÕES ALÉM MAR - Crônica de Gilka Coimbra (Uruguaiana, RS)

ALGUMAS IMPRESSÕES ALÉM MAR

Eu parti bem recomendada. Anotar tudo o que visse por lá e, na volta, fazer alguns relatos. Custo um pouco para retomar a rotina, e racionalizar tudo o que reparei. A viagem continua a viajar dentro de mim e gosto de ficar sozinha com ela por um determinado tempo.
Confesso que queria ver de novo, para melhor revelar as sensações e o “maravilhamento” que me invadiu em determinados lugares, mais que em outros.
Descobri – por de trás da pequena janela de um bonde que ziguezagueava ringindo ferros – as ruelas e os casarios desbotados da velha Lisboa, na margem norte do Tejo. Uma cidade rica em tradição, com memórias de um longo passado e que mantém com o presente fortes ligações sem perder a autenticidade.
Ali pertinho, Queluz e Sintra, estância real de veraneio, revelavam as riquezas de seus palácios (e, principalmente, das antigas colônias portuguesas). Entretanto, nada se comparou a graça de Cascais – antiga vila de pescadores – hoje, uma das áreas residenciais mais elegantes de Portugal. Num restaurante ao ar livre – perto do edifício onde mora o filho do Felipe Scolari – comi um bacalhau à portuguesa, seguido de uma taça de vinho do Porto, com uma brisa amena que soprava do mar. Respirei fundo, fechei os olhos e me vi ali para sempre...
Catarina, nossa guia, uma portuguesinha miúda, encantou o grupo com suas informações bem contextualizadas. Suas expressões idiomáticas eram singulares e, algumas ficaram presentes na memória pela sonoridade de um português cadenciado, bem articulado, íntimo e cerimonioso.
Seguidamente, repetia “venham cá ao pé de mim”. E quando íamos sorria agradecida. À noite, brindava-nos com a expressão: – “Senhores, deixo-vos agora. Durmam e descansem no vale de vossos lençóis”. Relembro a figura pequena e ágil que mantinha com firmeza, sob sua tutela, o grupo todo e tenho “saudades de vossa pessoa”. Catarina concluía o Mestrado em História e, com naturalidade, distribuía seus conhecimentos, sua alegria e o orgulho de ser portuguesa.
Conduzia-nos pelo Bairro de Alfama, chamando a atenção para o seu aspecto medieval; pela Baixa Pombalina, bairro comercial e reconstruído após o grande terremoto de 1755; pela Praça do Comércio e do Rossio, com a estátua de Dom Pedro IV, (Pedro I, no Brasil); pela Torre de Belém construída no sec. XVI e por outros tantos lugares sempre recheados de pequenas curiosidades que circulavam pelos locais visitados.
À noite, numa Casa de Fados chamada “Forcados”, encontrei uma Lisboa de várias origens. Fundada há muitos anos por mercadores fenícios foi depois habitada por gregos, cartagineses, romanos, visigodos e mouros. As etnias mesclaram-se ao longo da viagem, na arquitetura, na gastronomia, mas nessa noite, a música era só de pura saudade...
Quase ao lado do Mosteiro do Jerônimo, encontrei os pasteis de Belém, depois de uma longa fila que seguia pela calçada. A espera foi recompensada pela delícia gastronômica inigualável. Comi, ali mesmo, uns dois ou três e comprei uma caixa, com seis, para viagem. Era impossível não comprar. À noite, no quarto do hotel, em cima da cama como criança a fazer travessuras, terminei com os pasteis. Ao longo da viagem, outros – ditos de Belém – só comprovaram que a receita original estava muito bem guardada.
Em Óbidos, um dos melhores exemplos de cidadela medieval da Europa, andava por estreitas ruelas e pequenas praças com tendas e lojinhas repletas de artigos para presente. Óbidos foi um presente de casamento à Rainha Isabel, para que tivesse seu próprio rendimento com o pagamento de taxas e impostos. Ali, à venda, a famosa porcelana de Coimbra. Precisaria eu de muitos impostos não pagos para poder trazer todos os pratinhos que desejei dessa porcelana da qual levo o nome.

No Mosteiro da Batalha (1385) – obra prima da arquitetura gótica portuguesa – me perdi do grupo. Fui absorvida pelas sombras dos corredores imensos e envolta pela névoa que parecia estar ali só para me prender a outra época. Lembrei da Batalha de Aljubarrota, (que Catarina explicara) travada pelo Príncipe D. João, filho bastardo do rei, contra os espanhóis de Castela e da promessa que fez – Se vencesse a batalha ergueria ali um mosteiro em homenagem a Nossa Senhora da Batalha. Depois de algum tempo, receosa, enfrentando uma batalha interior, agradeci à Senhora daquele lugar por encontrar a saída, por estar de volta ao meu tempo e ao meu grupo de viagem. E, hoje, a minha coluna...

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