sexta-feira, 22 de abril de 2016

ESCUTAR PRENDA MINHA É DE BOM-TOM - por Vera Ione Molina Silva (Uruguaiana, RS)



Vou-me embora, vou-me embora,
prenda minha
Tenho muito que fazer
Tenho de ir parar rodeio
Prenda minha
No campo do bem-querer
(Domínio público)

Em criança, quando eu pensava em Porto Alegre, era o monumento ao Laçador o que me vinha primeiro à imaginação e não o hotel no qual eu me hospedaria, a cirurgia de amídalas, os parentes que eu visitaria. Eu pensava imagens e construções simbólicas. Em um artigo no Tribuna, eu fiz uma referência ao papel do folclore no “despertar o sentimento nacionalista de um povo” sem emitir nenhum juízo, hoje, pretendo dar umas pinceladas no assunto, sem a pretensão de escrever um artigo acadêmico, por que não quero perder o contato com a poesia. E a poesia é feita de símbolos construídos através de uma linguagem figurada. Quando eu jantava no Quiosque, eu via aqueles antigos cartazes da Pepsi-Cola na parede e os associava à melodia da Xula dos reclames do rádio e toda vez que ouvia a Xula, eu colocava a letra: Pepsi-Cola eu bebo com satisfação, bebo no inverno, bebo no verão.
Muitos de nós sabemos que Getúlio Vargas, no final dos anos 30, denunciava o que ele chamava de caudilhismo regional e o considerava uma ameaça à unidade brasileira. Isso fez com que mandasse queimar bandeiras, como queimou simbolicamente aquela que o ligava aos seus antigos mestres, Julio de Castilhos e Borges de Medeiros. O historiador Mario Maestri escreve: “O Estado Novo promoveu a invenção da cultura brasileira, substrato da identidade nacional proposta e imposta. Foram criados órgãos e associações destinados à divulgação-imposição do sentimento de amor à Nação: a Liga de Defesa Nacional, o Departamento de Imprensa e Propaganda, a Juventude Brasileira, a Hora do Brasil, a Rádio Nacional, etc”. Em 1945, com a redemocratização do país, iniciam os movimentos culturais regionalistas que reafirmavam a especificidade sulina, em oposição à proposta que marginalizara o Sul.
Aqui eu me despeço do historiador que permitiu que eu conferisse dados e datas, pois sei que ele entrará pelo caminho de uma crítica àqueles que apresentam o passado de forma idealizada e romantizada, que cantam uma democracia rural que não existia, ideia com a qual eu concordo, e volto a ser a criança que muito antes de Caetano Veloso gravar Prenda Minha, sempre se emocionou com essa canção. Embora eu não chame o meu amor de “meu bem-querer”, sempre associo essa canção a grandes amores, a despedidas, a separações. Quem chegou até o penúltimo parágrafo, fez uma leitura de um texto na primeira pessoa, que, embora esboce algumas opiniões políticas, é essencialmente emocional, é singelo, vai do particular para o geral, em suma, canta sua aldeia. Por falha grave na minha atualização cultural, desconhecia essa nova gravação da música que tanto me emociona, tenho certeza que agora muita gente acha de bom-tom escutar Prenda Minha junto com música popular brasileira, americana e outros ritmos de prestígio.

Vivemos em um tempo em que a cópia é mais importante do que o original. As prendas se orgulham de suas superproduções, fazer várias cirurgias plásticas confere status, esposas reclamam de que maridos só acham bonitas as mulheres que investem fortunas em si próprias e não “se dão conta que a beleza delas é artificial”. É muito bom que o Caetano Veloso tenha levado nossa música para o Brasil e para o mundo, com todas as dificuldades que temos em nos projetar fora do Estado, mas, que a mesma composição, interpretada pelo Conjunto Farroupilha, nos tocava mais fundo, isso ninguém de mais de 50 pode negar.

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